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27 de abril de 2007

Pensar Dá "Barato"


Gonzaga* era um cara sui generis (em meio a tantos outros). Cardiologista respeitado, vivia vestido de camiseta (roídas nas golas, um hábito dos freqüentes momentos de ansiedade). Fazedor de amigos com facilidade, tinha no seu apartamento – não mais do que um quarto-e-banheiro, em que já vivia há mais de 2 anos – apenas alguns itens absolutamente necessários: a singela cama, um singelo armário (onde guardava as roupas roídas), a pasta de médico, um ou dois livros (muito utilizados) e um rádio (que eu desconfiava que já nem mais funcionava).
Certo dia, combinamos de ir ao supermercado para as compras da quinzena - ou, no mínimo, da semana. Cada um da suas, claro. Gonzaga percorreu o mercado em longos cinco minutos e postou-se, ansioso, na fila do caixa. Seu pedido: um pacote de bolacha Maizena.
Se cometo esta indiscrição com um estimado colega de residência médica, é para exemplificar a “normalidade” das pessoas que frequentemente são tidas como “anormais”.
Gonzaga nunca, naqueles dois curtos anos em que convivi com ele, parecia se preocupar com a opinião dos outros, Na verdade, se preocupava. Acontece que vivia no famoso “mundo da lua” (quem quisesse compreendê-lo, que o compreendesse). Era o seu jeito de ser. O que o famoso psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi (é esse mesmo o nome do cara) descreve como constante estado de “fluxo”mental, no seu bestseller “Flow, The Psychology of Optimal Experience”.
Para Gonzaga (como muitos outros iguais a ele) as condições externas importavam pouco. Estaria aparentemente quase tão bem morando no Rio de Janeiro como na Antártida (onde roeria grossos casacos). Suas poucas paixões (a cardiologia, a leitura dos jornais – emprestados – o futebol e a fórmula um, além da namorada que morava longe) criavam pensamentos para o dia inteiro. Consumiam quase todo seu tempo acordado.
Não havia espaço para o estado de caos cerebral que domina boa parte do dia dos jovens considerados “normais” (que necessitam desesperadamente da companhia de outros jovens, de seus aparelhos de som, TVs, de suas ocasionais drogas como o álcool e outros vícios) para tentarem estabelecer alguma apaziguadora ordem.
A psiquiatria, no entanto, provavelmente preferiria rotular a normalidade de Gonzaga. “Esquizóide”: um ser muito fechado nele mesmo, com dificuldade de manter elos mais aprofundados (materiais ou pessoais), provavelmente. Talvez candidato a longos anos de tratamento, remédios...
Para sua sorte, Gonzaga também não levava muito a sério a própria psiquiatria.
*Os nomes (do Gonzaga) foram trocados para evitar sua identificação. Poucos médicos, entretanto, devem andar por aí de camiseta roída. Sorry, “Gonzaga”!

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