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27 de setembro de 2013

Efeito Hollywood


Bem, parece que boa parte dos pais e parentes - pelo menos os mais informados - vão perdendo o medo das medicações inalatórias em spray (as infelizmente apelidadas "bombinhas") para o tratamento das "bronquites" e asmas das crianças, mesmo as das mais pequenas.
As histórias ("lendas" seria o termo mais apropriado) de que "viciam", "fazem mal para o coração", "secam o pulmão" e outras mais vão caindo por terra a duras penas. É um trabalho informativo e de desmistificação que dá trabalho, mas que vale a pena quando se vêem muitos dos resultados (a maioria dos pais se perguntam por que não aderiram antes!).
Apesar disso, um fato que precisa ser lembrado ao se propor esse tipo de tratamento - notadamente naquelas crianças que não vão usar um espaçador, que "faz o trabalho da respiração pra elas" - é o "efeito Hollywood", principalmente quando o tratamento parece estar inexplicavelmente falhando.
O que é o "efeito Hollywood"?
Nos filmes americanos - mas também em algumas novelas - os asmáticos costumam usar o dispositivo (a "bombinha") de forma totalmente incorreta, muitos deles com afastamento absurdo da boca*. O que nos parece é que os atores têm medo! 
É claro que para eles funciona (na maioria das vezes). São asmáticos-atores! Têm "doença de vias aéreas ficcional" (D.V.A.F., para quem gosta de jargão - ei, isso não existe!).
E aí "desensinam" os verdadeiros asmáticos, os não-atores. 
A inspiração correta, o encaixe da boca, precisam ser ensinados, checados quando o tratamento falha (e até quando está dando aparentemente certo), sob pena de se descartar um tratamento que tem feito diferença na evolução das doenças respiratórias.

* Um dos filmes que me veio à mente foi "A Mão Que Balança o Berço" em que a mãe da criança vítima da babá tresloucada chega a morrer com a "bombinha" na mão por uma "crise asmática-nervosa". Credo (quem mandou não fazer direito?)! 

24 de setembro de 2013

Tortura


A atitude do pediatra em relação aos pacientes com escoliose (a deformidade em "C" ou "S"  para quem vê a coluna por trás) costuma ser: confirmar ou não a sua presença e o encaminhamento para um ortopedista. Mas é claro que (principalmente hoje em dia) os pais, na dúvida, já passam a mão no telefone e marcam eles mesmos a avaliação especializada.
Um editorial fresquinho do New England Journal of Medicine comenta sobre as últimas décadas de tratamento com o uso de coletes. 
Diz ali que uma grande dificuldade nesse tipo de tratamento é o cumprimento do número de horas necessário para a diferença ocorrer (18 horas ao dia!) e que, para muitos - cerca da metade dos casos - que não cumprem nem de longe esse número de horas a melhora da escoliose acaba sendo espontânea mesmo, e não por causa dos coletes.
É a história do possivelmente se estar tratando mais gente do que precisa, com um método que não se comprova mais eficaz do que não fazer nada para muita gente. Curioso como essas informações se repetem com a busca das verdades médicas dos últimos tempos (o que não é ruim...)!
O que fica como ensinamento é que escolioses com grande angulação (de 40 a 50 graus para mais) são aquelas que devem ser vistas com mais cuidado. Aí, às vezes, o tratamento cirúrgico é o mais indicado.

A foto acima - que bem poderia representar uma coluna escoliótica - mostra uma escultura assustadora mais no som do que na forma: é a Singing Ringing Tree ("árvore cantora ressonante"), uma "árvore" de tubos de aço que, ao ser acionada pelo vento da colina onde se situa (em Lancashire, Inglaterra), emite sons fantasmagóricos, equivalentes a milhares de janelas em dia de ventania. Vale a visita?

20 de setembro de 2013

...an Isso ou ...eno Aquilo



Já que o pediatra é um especialista pobre (em que nem a indústria farmacêutica precisa fazer muito lobby para que prescreva as poucas coisas que prescreve), uma das suspeitas que ainda pairam sobre sua cabeça é a do conluio com a indústria alimentar, notadamente a das fórmulas infantis (leites em lata).
E não tão sem razão. Conheço médico que fez especialização no exterior custeado por multinacional de fórmula infantil.
Para a maioria, no entanto, a pressão não passa de um ou outro eventual (e chato) representante, que não deixa mais do que folders e folders enaltecendo as maravilhas da última palavra em leite de vaca em pó.
Eu não caio nessa. Por convicção e por consciência de que leite em pó (principalmente para as crianças que foram amamentadas até as proximidades do sexto mês) é como óleo de motor, chuchu e japonês: tudo igual!
Porque não é do leite (repetindo: não é do leite!) que a criança que cresce vai retirar seus nutrientes principais. Vitaminas, sais minerais e mesmo os macronutrientes e promovedores de uma flora intestinal adequada não estão no ...an Isso ou no ...eno Aquilo, ou no ...on Aquele Outro.
Isso é tudo balela da indústria (não esqueçamos que, em termos de Produto Interno Bruto, a Nestlé é maior do que a Suíça na qual ela está contida, graças à você e eu)!
Gente é onívoro: come de tudo. Ou assim deveria ser. Lembre àquela mamãezinha da casa ao lado que ainda leva mamadeira ao soldado ex-barbudo de serviço no quartel.
Dentes precisam mastigar. Intestinos precisam de outras paisagens, que não aquela monótona coisa branca e líquida que algumas mamães acham que constitui o alimento para toda uma vida. (Ei, volte aqui! Quem falou que você precisa forçar goela abaixo? É só ter coragem de parar de comprar e oferecer tanto leite!).
Nutrientes estão na variedade, essencialmente. Isso é, às vezes, meio caro, dá mais trabalho que 1 medida para cada 30 ml, mas traz satisfação garantida. 

17 de setembro de 2013

Neuras



Viver é um eterno desafio.
Há um conto formidável do também formidável Luis Fernando Veríssimo em que um sujeito, com medo dos possíveis acidentes que a vida pode lhe impor, vai se isolando no seu quarto, apenas para ir percebendo que também ali pode ser atingido por um raio, se engasgar fatalmente com alguma comida, ter uma parede da sua casa desabada, etc.
Há perigos imprevisíveis. Ou melhor, até que são meio que previsíveis (é melhor não estacionar seu carro embaixo de um prédio em obras, por exemplo, um pobre pedreiro pode cair, estragando seu querido bem).
Por isso deve chegar uma hora em que abdiquemos da insuportável chatice de ficarmos nos beliscando, checando nossa respiração, conferindo nossa cor, percebendo a tonalidade de nossos cocôs, etc.
Isso tudo tem nome: neurose. Talvez o grande mal do atual século (e dos vindouros).
Um neurótico é ótimo cliente de laboratórios. Laboratório de análises clínicas e laboratório farmacêutico. É ótimo cliente de farmácia - compra e experimenta de tudo. Engole qualquer pílula. Engole qualquer campanha de promoção de saúde e prevenção de doença. São então, também, a alegria dos políticos, bem intencionados em fazer o neurótico viver melhor(?) e votar.
Eu não sei se você percebe, mas estamos caminhando para um mundo com cara de que a perfeição  (e a imortalidade) podem ser atingidos. Um mundo em que a única perfeição está no simular as falhas da falta do básico, do desvio do simples para privilegiar o complicado, do terrorismo oficial.
Da neura, enfim. Da neura sem fim. 

13 de setembro de 2013

Teste do... Coraçãozinho!



Eu sei que vão me jogar pedras de todo o lado de novo. Uma lapidação a mais não vai fazer grande diferença:

Há pouco mais de dois anos fiz aqui uma aposta: a de que o próximo teste "inho" a ser instituído nas maternidades brasileiras seria o do cocô, teste do cocozinho ("teste da caquinha?")
Perdi (mas ele ainda vem, nova aposta!).
A novidade (pois os legisladores sabem que adoramos novidades) é o "teste do coraçãozinho".
Mais uma balelinha oficial.
O teste, uma medição da saturação de oxigênio (oximetria) do bebê que deveria detectar problemas cardiológicos que escaparam dos crivos do ultrassom gestacional e do exame clínico por parte do pediatra (este, claro, cada vez menos importante, pois temos gadgets para substituí-lo), começa agora a pipocar por aí.
Bom. Aparentemente.
Um estudo recente mostrou que aproximadamente 10 mil crianças passarão pelo teste para que uma tenha detectado problema não identificado de outra forma. 
Pouco? Muito? Julguem vocês.
São dez mil bebês que terão que colocar a geringonça nos seus braços e pernas (indolor, é verdade). São dez mil mamães que terão que esperar mais esse procedimento com as malas e sacolas arrumadas embaixo do leito hospitalar.
Mas, e o pior?
Nesse mesmo estudo citado, 163 bebês (de uma amostra de 20 mil) apresentaram resultado falso-positivo. Significa que seus pais foram avisados de que "Ôpa, podemos ter aqui um problema!" (com toda a ansiedade que isso causa, com consequências desprezadas), mas que, após avaliação ecocardiográfica, nada de anormal apareceu.
Vale a pena?
Burocratas e políticos (burocratas e políticos médicos, na maior parte) decidiram por todos: sim.
Mães, desfaçam suas malas. Tragam televisão e, talvez, geladeira. 

10 de setembro de 2013

"Reumatismo de Criança"*



antigo recente problema reumático mais frequente em crianças, a febre reumática, vem deixando de ser um problema (há cerca de 2-3 décadas, por isso "antigo recente").
E os arautos do uso do antibiótico para qualquer espirro dão o mérito para eles, os antibióticos.
Pode até parecer, visto que a febre reumática é ocasionada por um tilt, uma falha no sistema imunológico do doente, cujos anticorpos "trocam as bolas" no interpretar tecidos do próprio organismo (como parte das cartilagens das articulações, daí os sintomas) como inimigos, após uma mera infecção bacteriana da garganta (amidalite). 
Então. Parece, mas não é.
Estudos mostram que o que faz diferença é a melhoria na qualidade de vida da população. Melhorias sanitárias, por exemplo.
Além disso, a virulência (a "brabeza" do germe) diminuiu nesse período, por razões ainda ignoradas. E aí nada impede que em algum momento (principalmente se a qualidade de vida volta a piorar) o germe, o estreptococo, volte a ficar agressivo, virulento.
Por que - pra você que é novinho(a) - a febre reumática preocupava (preocupa) tanto? Porque além de afetar as juntas (articulações), um efeito importante mas reversível, afetava também o coração - principalmente as válvulas cardíacas - a cardite reumática, às vezes irreversível.

(De novo, pra você que é novinho, a febre reumática é aquela doença em que a criança, uma vez afetada, tem que tomar uma Benzetacil a cada 2 a 3 semanas para evitar o reaparecimento da doença)

* Esse termo propositalmente errado (reumatismo) sempre foi associado à febre reumática. Mas existe, sim, o "reumatismo da criança" (a artrite idiopática da infância, ou artrite reumatóide juvenil, com características mais parecidas ao reumatismo - artrite reumatóide - do adulto, pouco frequente e de difícil diagnóstico). 

6 de setembro de 2013

Magnésio




- Doutor, eu quero um exame de sangue!
- Muito beeem, está aqui!
- Obrigado, doutor, então... ei, o que é isso aqui? Magnésio?
- É um pedido de dosagem de magnésio.
- Mas eu pedi um exame de sangue!
- E você acha que o magnésio dosa aonde? No xixi? É no sangue!
- Mas, doutor, quando se pede "exame de sangue", que tipo de exame se está falando?
- Aí é que está. Depende do cidadão, do "pedinte". Pode ser dosagem de hormônio, pode ser dosagem de medicamento (se o sujeito toma!), pode ser uma avaliação da coagulação, um hemograma...
- É isso, doutor! Um hemograma! Não é esse exame que mostra se tem anemia?
- É... quer dizer, dentre outros...
- Então! É esse que eu quero!
- E por que? Você acha que tem anemia?
- Acho. Quer dizer, não sei! Não é um troço que um monte de gente tem? Anemia?
- É. Mas adesivo da Apple no vidro do carro também tem um monte de gente que tem. E por que é que você não me pede um adesivo da Apple pra por no vidro do carro?
- Não sei, doutor, ando meio fraco ultimamente.
- E por isso você acha que pode estar com anemia. Fraqueza é igual a anemia... E se for falta de magnésio?
- Mas eu nunca ouvi falar de falta de magnésio...
- Eu, também, nunca tinha ouvido falar de tartaruga com duas cabeças. Mas diz que existe.
- Mas esse magnésio aí, dá fraqueza?
- Assim como mais 3.675 problemas médicos.
- E tem exame pra isso tudo?
- Pra grande parte, tem. Só tem dois problemas.
- E quais são?
- Primeiro, você não tem sangue pra dosar tudo isso.
- E segundo?
- Pouca tinta na impressora. 

3 de setembro de 2013

Pepita



Como você está vendo, tem muito pouco pediatra na praça (não, não é na praça em frente à sua casa, aí pode ter muitos, digo na praça trabalhando, disponível, acessível - fácil, enfim).
Então. Neguinho não quer passar um quarto da vida ralando nos bancos universitários, ao lado de leitos hospitalares para ganhar pouco, se incomodar muito, é o que dizem.
Pode fazer a enquete: o que costumava ser 1/4 dos formandos em medicina passou a ser 1 ou 2 abnegados. E o que é pior, fazem pediatria como porta de entrada para subespecialidade (trabalho em UTIs neonatais, dentre outros).
Há pouca solução.
Mas qual seria uma das piores soluções imaginadas?
Aumentar o período de residência (especialização) de 2 para 3 anos. Se já não querem do jeito que está...
No entanto, foi exatamente o que a Sociedade Brasileira de Pediatra conseguiu fazer esse ano!
Médicos "loucos" para se tornarem pediatras agora terão mais um ano de formação. Que não é que não seja interessante em termos de bagagem. Mas não se torna uma pepita rara menos rara destruindo as minas.