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30 de novembro de 2018

A Infelicidade da Saúde


No seu famosíssimo livro "Sapiens", Yuval Noah Harari (ô nomezinho difícil!) fala de uma questão cada vez mais flagrante para nós, médicos:
Colocado um pouco em outros termos: quanto menos ficamos gravemente doentes, mais insuportável se torna a doença.
Pais modernos morrem de medo de um espirro! E se você é um deles(as), já deve estar concordando, irritado(a): "Mas claro! E quem não?".
Seus antepassados, não (como argumenta Yuval)! Havia muita desgraça, por aqui e nos seus vizinhos. Por isso, a pequena desgraça era "fichinha". Mesmo a morte, hoje assunto do qual, podendo, passamos longe, era coisa de quase todo dia. E no espaço de umas duas gerações (muito, muito rápido em termos históricos), nos tornamos extremamente longevos e saudáveis. 
Mas queremos mais! Almejamos a imortalidade. A ausência absoluta da dor, da incapacidade, e mesmo da infelicidade (conquista tão ou mais inalcançável que a própria derrota da morte). E enquanto esses objetivos não vêm, nos atormentamos como nunca!
Imaginemos que eles se realizem, como propõe o escritor. Ainda assim teremos motivos para tormento. E nossos entes que se foram, não podem ressuscitar? Os que não conseguirão lograr a imortalidade, terão ódio (mortal!) dos que conseguirão? Imortais, viveremos pisando em ovos, pois na esquina um veículo desgovernado pode terminar com nossa imortalidade conseguida a tantas duras penas?

Humanos. Sapiens. E sempre atormentados...

23 de novembro de 2018

O Colesterol e a Dor no Peito


Dor no peito em crianças e adolescentes é um fato relativamente comum (como, de resto, várias outras dores como dores de barriga, dores de cabeça, etc.).
E na maioria dos casos num "simples" exame físico e - principalmente - com alguma conversa, se descobre a causa (ou, mais importante, a "não causa"!) dessas dores, muitas delas de origem absolutamente benignas.
Acontece que pais e familiares hoje estão "contaminados" pelas informações sobre dores no peito em adultos (ou mesmo em idosos), e aí acham que os mesmos fenômenos que ocorrem nessas faixas de idade se "transferem" para as crianças.
Crianças são crianças, é bom sempre lembrar desse fato.
Um colesterol elevado (e outros exames mais ou menos alterados, que costumam vir já "na pasta" das crianças com estas queixas) não causa dor torácica, mas a confusão é grande. Não causa nem mesmo no adulto, a não ser na hora de abrir o envelope do exame e constatá-lo alterado (até porque se sabe que alterações "doídas" no estilo de vida serão recomendadas)!
Dor torácica provocada pelas temidas doenças cardiológicas costumam ser "floridas" na apresentação clínica, mas são mais próprias de cardiopatas adultos, pelos fenômenos de isquemia (baixa irrigação sanguínea do músculo cardíaco) ou das fases iniciais do infarto. Exames de laboratório nas crianças só aumentam a confusão (afinal, se eu peço um determinado exame é porque penso que a causa do problema deva ser respondida por esse exame - ou eu não entendi direito?).
Uma boa conversa, confiança no médico, e a possibilidade de que se reveja o paciente em caso de não apresentar melhora costuma ser tudo o que é necessário.

16 de novembro de 2018

Ladrão Nato


Toda criança é um ladrãzinho nato. 
Basta observar o que elas fazem quando vêem um brinquedo que não as pertence. Vão rapidinho abrindo as bolsas da mãe (ou seus próprios bolsos) e colocando o fruto do seu furto dentro (algumas com o cuidado de levar apenas uma pequena parte pra não dar na vista).
É uma cena que se repete com grande frequência em consultórios pediátricos. 
O ser humano é somente alguns galhos mais acima na escala dos outros primatas. Um macaco, seja de que idade for, não terá escrúpulos de levar o seu almoço se você olhar pro outro lado. Imagino que no seu íntimo diga algo como "Yes! Trouxa! Me dei bem!" ao saborear seu sanduíche de pasta de amendoim em cima de uma árvore.
E por que será que não devemos roubar, mesmo? O que há de errado de levar seu notebook para passear (quem sabe até um dia eu traga ele de volta)? Se você tem muito, não é certo dividir um pouco comigo?
São questões que não nascem com a gente. Temos que aprender. Do exemplo, mas das explicações, também. 
Tem gente que nunca teve pais que se deram ao trabalho. Alguns estão atrás das grades. Outros tiveram destino ainda pior. Outros viraram deputados.

8 de novembro de 2018

Corpo de Quem?


Uma reportagem da tv suíça mostrou recentemente que - pelo menos nos países desenvolvidos, mas acho que por aqui é ainda pior - as mulheres andam de "saquinho cheio" (expressão machista sem equivalente feminino, até onde sei) com seus ginecologistas.
Por que?
Porque ginecologistas sempre tiveram - como a maioria das especialidades, aliás - uma postura de "eu, mando, você obedece" (muito do tempo do "Eu, Tarzan, você, Jane", silvícola que meio que mandava a Jane calar a boca, ainda que a civilizada fosse ela). 
Isso também está para acabar, parece. O exemplo dado na reportagem é o de um pequeno grupo de jovens mulheres que criou (lá) o site: "Adote um ginecologista". Nesse site, pacientes descrevem a maneira como determinado médico as tratou, se abriu a discussão sobre os métodos anticoncepcionais (na verdade, é sobre isso que a reportagem trata), se isso ou aquilo. Tudo com a intenção de ajudar outras mulheres que se sentem desconfortáveis (para algumas, "para dizer o mínimo"!) frente a uma mesa de exames ou na conversa franca com o profissional.
É a famosa "uberização", que vai se estendendo para tudo. Com muitos dos perigos do "cliente tem sempre razão" - principalmente na área médica - mas meio que inevitável.

1 de novembro de 2018

Não É Hora?


Quando a gente passeia por alguns dos lugares mais visitados do mundo, sempre se põe a pensar (deveria ser um dos motivos de se passear por alguns dos lugares mais visitados do mundo, além de se tirar muitas selfies):
"Imagino que o momento de se fazer coisas excessivamente grandiosas às custas do sofrimento e do dinheirinho do povo (pelo menos de forma direta) já se foi, não é possível que nos dias atuais..."
Claro que é um raciocínio errado - e ingênuo!
Ainda há - e vai sempre continuar a haver - "líderes" com a mania de grandeza tão grande quanto a sua cara de pau! Sempre teremos lugares novos para nossas selfies (mais ou menos inéditas)!
E aí é aquela coisa de sempre dos protestos, das ameaças, da chiadeira geral de povos carentes, que um dia (logo, esperam tais "líderes") morrerão, enquanto que seus monumentos, edifícios, obras inúteis (esperam muito mais) sobreviverão, bem como (e aí, é o que sem dúvida mais esperam!) seus nomes na História, mesmo que seja numa plaquinha, mas (o que mesmo, mesmo, verdadeiramente esperam!) quem sabe num novo, maior monumento com seus próprios corpos erigidos no alto de alguma montanha.
Escrevo isso lendo (entre maravilhado e abestalhado) sobre a inauguração da "maior estátua do mundo", do senhor (deixa eu colar aqui) Sardar Vallabhbhai Patel (o "Sardão" ou "Patelão", já vamos logo colocando nosso apelido, tão brasileiro, na estátua do homem, um dos - imagina se fosse o único! - unificadores da atual Índia, que aliás, não está tão unida assim!).
Deixou o Cristo Redentor lá no chinelinho! Estátua da Liberdade, idem. Era essa a ideia. Mas dura pouco. Logo outro país pobre, com crianças desnutridas nos colos das mães pelas ruas cria outra, muito mais alta. 
Assim caminha a humanidade. De maluco em maluco como referência histórica.