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29 de junho de 2007

Estudo de Caso


Após anos lidando com o paciente O.A.P. (um caso dificílimo, principalmente para mim), descobri a duras penas que sofre de um crônico vício cognitivo: a antecipação e amplificação de problemas. Uma simples visita agendada do carro ao mecânico na manhã seguinte o transforma num expert em canto de galos.
Embora esta maneira de pensar não seja exatamente apenas um problema (este brilhantíssimo texto, por exemplo, é fruto de uma fria noite em claro), acarreta ao referido paciente males que vão desde sua incômoda insônia à incipiente hipertensão arterial (cada problema com seu corolário patológico, e cada qual possivelmente relacionado ao outro).
Que tratamento tem sido recomendado a O.A.P?
Um nutricionista recomenda que coma mais vegetais (da família das crucíferas, principalmente) e evite o sal. O cardiologista roga para que engula definitivamente seus diuréticos e vasodilatadores e não descuide da cota diária de exercícios. O psicólogo ortodoxo (meio Jungiano, embora não considere esse adjetivo ofensivo) acha, claro, que O. não resolve, há décadas, sua fixação na fase (ops!) anal.
Quanto aos métodos alternativos, tem sido sugerido que O. pratique um pouco de meditação, prática que se esforça por dominar, ainda que a posição de lótus lhe seja um pouco incômoda.
O psiquiatra, ainda indeciso de qual transtorno trata, recomenda que O. tome – não necessariamente nesta ordem – um antidepressivo, um estabilizador de humor e um benzodiazepínico. O dermatologista recomenda que consulte um médico, qualquer médico. A ex-patroa recomenda que O. pague sua pensão devida. O vizinho de baixo recomenda que O. mude definitivamente de endereço.
E assim vai meu paciente pelas esquinas, mais um caso incompreendido pela moderna sociedade terapêutica (embora esta sociedade seja muito melhor que a antiga, que resolveria definitivamente o problema de O. com aplicação de sanguessugas no seu cérebro doente).

26 de junho de 2007

Duas Medidas


Dois dos sites médicos americanos mais visitados tratando sobre o mesmo assunto: cólicas. Aquele choro intenso dos bebês nos primeiros meses de vida.
Num deles, o WebMD, aprende-se que a cólica pode (deve?) ter relação com alimentos ingeridos pela mãe que amamenta, que a cólica é na maioria das vezes provocada por dores no abdome do bebê que chora e etc. Nota-se um pequeno e “discreto” comercial no centro do texto: Mylicon, tanto lá quanto aqui um remédio (inútil, diga-se de passagem) para as cólicas do lactente*.
No outro site, o da Associação Americana dos Médicos de Família, diz lá a causa do problema: não se sabe (assim mesmo, curto e grosso!). Pelo menos não “chuta”, nem tenta enganar ninguém. Tratamento medicamentoso? “Não há remédio que seja efetivo para cólica”. Nota-se também - e principalmente - a ausência do patrocínio da indústria farmacêutica.
Ah, então, tá...
Patrocinado, é uma coisa.
Sem patrocínio, deve ser outra coisa totalmente diferente.
Pois então!
*O curioso é que neste próprio site há várias outras páginas explicando que cólica não tem a ver com dor, que não há nada de errado com bebês que choram muito, etc, etc.

(há quase 20 anos que eu estou falando isso, acho que tô começando a ficar chato – é que eu ainda sou minoria!)


Tão de Brincadeira

A brincadeirinha da eleição das 7 maravilhas do mundo moderno só pode ser isso mesmo: uma interessante brincadeira (do mesmo tipo que elegeu, por exemplo, o Maradona como melhor jogador de futebol de todos os tempos, à frente de Pelé – Ah, então tá!...).
Em primeiro lugar, como dar o voto quando só se conhece um dos “candidatos” (a maioria dos votantes não deve conhecer nenhum)? Agradeço enormemente à ONG responsável pela eleição o envio das passagens para todos os lugares, para que possamos votar de forma consciente.
Além disso, quem vai votar mais nas suas próprias maravilhas: os petrificados habitantes da Ilha de Páscoa ou os australianos ou os ingleses?
E mais: embora tenha vivido várias vezes a inenarrável experiência da vista do nosso Cristo Redentor, desculpe, mas a estatuazinha – que é nossa real candidata - até que é meio mixuruca (claro, perto das outras concorrentes!). Acho que só não perde para aquele amontoado de pedras toscas do Stonehenge (se era pra incluir a Grã-Bretanha, porque não mandaram o logo o Big Ben?).
Agora me diga: dá pra, ao se deparar com um castelo como o Neuschwanstein (mais fácil de falar do que Schwarzenegger) ou com o Templo de Taj Mahal, honestamente cravar o voto no nosso candidato? Fala sério...

22 de junho de 2007

Tchuquitchuqui


No começo da vida (até por volta dos 3 anos) crianças chupam o dedo basicamente porque crianças pequenas são “máquinas de sugar”. É instintivo, é básico para sua sobrevivência.
A grande maioria das crianças abandonará o hábito nesta tenra idade (e a tendência é que seja mais fácil quanto menos os outros se incomodarem com ele).
Alguns poucos mais renitentes serão provavelmente encarados como “problemas”.
Porém, como mostra o interessante filme Thumbsucker, na maioria das vezes o “problema” é conseqüência de desajustes emocionais – sejam eles grandes ou pequenos - com raízes na família.
Tente (pelo menos tente enquanto criança) assistir às brigas dos pais, resistir às pentelhações dos irmãos mais velhos, se antenar com as mil novidades dessa até aqui curta vidinha, disputar espaço no sofá com um irritante poodle – que às vezes parece mais querido da mamãe do que você mesmo – para ver se não dá vontade de chupar um bom dedo!
Então, para os que estão ficando muito velhos (pelo risco de, a partir de certa idade, afetar o alinhamento dos dentes) algumas recomendações:
-Distraia a criança, propondo atividades que o faça retirar o dedo da boca (sem, de novo, mostrar que se incomoda com o ato).
-Nunca critique o hábito. Apenas elogie quando deixa de fazê-lo.
-Não tenha muita pressa de eliminar o hábito se o seu filho estiver passando por momentos mais difíceis (como separação dos pais, viagem de algum parente ou perda).

19 de junho de 2007

Shhh! (Um Pouco de Onomatopéia)



Talvez a parte mais difícil, ao se dizer que determinada criança é portadora de “sopro no coração”, seja a explicação do que é, exatamente, um sopro.
Quando o médico coloca o estetoscópio na área correspondente ao coração no peito do paciente, costuma ouvir apenas dois tipos de “barulho” (os batimentos do coração):
Tum! – proveniente do fechamento das válvulas que separam os átrios dos ventrículos, antes do coração contrair, na chamada...
Sístole (sangue para fora do coração – aqui sem maiores “barulhos”)
E...
...Tac! – causado pelo fechamento da válvula da aorta, a artéria que leva sangue para o corpo todo, quando o sangue que foi para frente “tenta” voltar (se a válvula da aorta não se fechasse antes da próxima contração, o resto de sangue que “tenta” voltar pela aorta se chocaria com o “novo” sangue que vem dos átrios).
Pronto!
Então, normalmente é isso: Uma seqüência de “Tum, tac, tum, tac, tum, tac”...
Entre um “tum” e um “tac” o sangue sai dos ventrículos (a parte do coração que bombeia o sangue). Entre um “tac” e um novo “tum” o sangue enche os ventrículos.
Simples, não?
-É, mas e o sopro?
O sopro é um barulho ouvido entre – ou juntamente, dependendo da causa do sopro – os batimentos. Fica mais ou menos assim:
“tum!” - “shhh!” - “tac!” - “tum!” - “shhh!” - “tac!”…
-“Shhh!”? Parece barulho de alguém que está pedindo para se fazer silêncio...
É justamente o barulho que o médico ouve quando diz que alguém tem “sopro” no coração!
-E as causas? E as causas?
(veremos adiante...)

Obs.: há um site que mostra os sons ouvidos no coração muito interessante (em inglês).

15 de junho de 2007

Bom Senso (Poupe o Pipi)


O tratamento das infecções urinárias em crianças também tem entrado na nova onda do “menos é mais”.
Até há pouco tempo, considerava-se que qualquer infecção urinária na criança tinha o potencial de, se não adequadamente tratada, causar problemas renais sérios (as cicatrizes renais, com a nefasta possibilidade de perda da função dos rins).
Isto continua sendo uma verdade. Meia-verdade, na ...verdade.
Por que?
Porque após anos de trabalho e gastos com exames de urina de controle (para verificar se a infecção realmente curou com o antibiótico prescrito) foram mostrando que ela sempre (ou quase sempre) cura, faça-se exames de controle ou não.
Mas como saber se logo o meu caso não será exceção (e poderá levar às tão temíveis cicatrizes renais)?
Como em qualquer outra infecção (coisa que deveria parecer óbvia, mas não era assim considerada): através dos sintomas! Dois dias de antibióticos (isso mesmo, dois dias), sem infecção urinária prévia, sem sintomas: tchau!
Ninguém trata pneumonia sem sintomas, apenas baseado em exames de Raio X. Assim como ninguém chega ao médico dizendo: “Por favor, doutor, embora eu esteja ótimo, o senhor pode retirar um pouco do meu líquido cefalorraquidiano (o “líquido da espinha”) para ver se eu não estou com alguma meningite?”.
Na infecção urinária em que os sintomas logo se resolviam em crianças, no entanto, mandava-se repetir exames (e caso estivessem alterados – quase nunca estavam - persistir no tratamento). E mais: buscar causas para a infecção com caros e trabalhosos exames radiológicos.
Tudo isso está mudando, ainda bem. Agora no campo das infecções urinárias, o que também começa a prevalecer é o bom senso.

12 de junho de 2007

Não Tentem Isso em Casa


Mais uma da Vick.
Agora, uma geleca ácida para uso dentro do nariz, o Vick Primeira Proteção.
O efeito alegado: o pH ácido, de 3,5 (próximo à acidez do vinagre, que gira em torno de 3 e apenas menos ácido – em termos de fluidos corporais – que o suco gástrico e a secreção vaginal) mata “os bichos” (neste caso, os vírus causadores dos resfriados) no ato, impedindo que proliferem dentro da cavidade nasal e depois se espalhem pelo organismo.
Resultados, segundo o site institucional, de 5 anos de intensas pesquisas (Onde estão as “intensas pesquisas”? Os produtos da linha Vick, por algum motivo, não têm pesquisas científicas para mostrar em nenhuma publicação de algum respeito da área médica. Seria razoável pelo menos mostrar os efeitos numa amostra mínima de pessoas).
Outro procedimento curioso da empresa: curto-circuitar a classe médica. Pelo poder da multinacional e pelos números das vendas de todos os produtos – funcionem ou não, possuam ou não reações adversas - não há realmente a menor necessidade de se incomodar em convencer os médicos a usarem ou recomendarem seus produtos, mesmo porque são todos (inclusive o xarope 44E, a base de dextrometorfano, que anteriormente precisava de receituário especial de dupla via, o que assustava os pacientes ao ser prescrito) de venda livre, independente de receita médica.
Funciona?
Quem sabe.
Mas se baixar o pH nasal funciona, vou primeiro tentar o vinagre (em mim, claro), que é mais barato.
Uma primeira preocupação que me vem à cabeça é o efeito do uso de substância tão ácida em narizes dos portadores de rinite, por exemplo (quase a metade da população).
Para esclarecer estes e outros assuntos, com a palavra, o cientista porta-voz da companhia, o famoso:
Ken?

8 de junho de 2007

No Bumbum Alheio


E a vacina “pra gripe”*, doutor, fazemos ou não fazemos?
-Pois é...
Alguns dos meus colegas param por aí, no “Pois é”, com o olhar perdido no horizonte, até serem acordados pela mãe do pequeno paciente.
Outros, logo mandam ver:
-Faz, claro!
Claro! Não é no bumbum (nesse caso é no braço, mas usar o bumbum no título fica mais impactante) deles!
Então, tentando não ficar em cima do muro, vamos ter que buscar os motivos para recomendar ou não a vacina:
Em primeiro lugar, a vacina contra a gripe não foi (pelo menos até agora) esta maravilha que dela poderíamos esperar. Dentre outros motivos, porque vacinados e vacinadores muitas vezes esperam dela mais do que deveriam. E a confusão já começa no nome ilusório:
O que é “gripe”?
Fala Aurélio (o dicionário):
“Doença infecciosa produzida por vírus e que, a par de fenômenos gerais (febre, cefaléia, mal-estar, etc.), produz manifestações respiratórias, tais como irritação nasofaríngea e laríngea, e espirros.”
Taí: “...produzida por vírus...”. Alguém aí leu qual vírus?
A definição literal da gripe fala de qual vírus, sim. No CDC (Centers for Disease Control and Prevention), por exemplo, está revisão publicada na Internet de estudos em crianças diz:
“A limitada evidência dos efeitos da vacina em crianças abaixo dos 2 anos de idade sugere que não haja diferença em relação ao placebo.” Traduzindo: por ora não se deve recomendar a vacina para este grupo etário. E nas crianças mais velhas?
Se notarmos que a realização anual da vacina diminui em torno de 30 a 60% dos casos confirmados por exames laboratoriais, acho que é mais para “Sim, vacine” (levando em consideração fatores como preço, “judiação” – lembrando novamente, o bracinho não é nosso - conseqüências da doença nos não-vacinados, situação de saúde e exposição da criança em questão, etc.)
Como se viu, a resposta não é (e não deve ser) assim tão simples...

5 de junho de 2007

Pano Pra... Maracujá


“Óia, minina: os critério varia, os remédio às veis fais mais mar do que bem (vide ocê o Kurt Cobain!*), tem gente que fala que o pobrema nem siquer iziste!..”
Essa é a situação caótica em que vive o TDAH (transtorno do déficit de atenção – hiperatividade).
Deu ontem, no Hoje (jornal da Rede Globo): pesquisa “fresquinha” publicada neste mês por um grupo de médicos brasileiros num dos periódicos de psiquiatria mais respeitados do planeta definiu a incidência mundial da doença: ± 5%. Pronto! Com pequenas variações, é este o número que nós devemos ter em mente: cerca de 5% das crianças devem estar sofrendo do transtorno (não deve ser chamado de doença) no mundo inteiro.
Dois pontos são mais doídos na polêmica: a rotulação das crianças (além disso, ao que parece, uma enormidade delas são inapropriadamente diagnosticadas como tendo o problema e outro tanto tem realmente o transtorno e são sub-medicadas) e o principal medicamento usado para o controle (o metilfenidato, a Ritalina ®, um psicoestimulante que, contrário ao efeito que dele se esperaria, modula o comportamento dos pequenos “agitados”): há poucos estudos de longo prazo sobre seus efeitos e muitos deles podem ser muito sérios (vão desde dependência e depressão a problemas cardíacos).
Então, o que interessa mesmo na área da Pediatria é o correto encaminhamento dos casos suspeitos e o aconselhamento no caso das crianças apenas ativas (embora nós, assim como os pais, nos damos o direito de dar pitacos quando percebemos exageros por parte dos psiquiatras, claro).
*Diz-se, em muitas das inúmeras biografias de Kurt Cobain, que ele deve sua trágica trajetória – que culminou com seu suicídio aos 27 anos – ao efeito da Ritalina (iniciada aos 7 anos), o que certamente é, pelo menos, um exagero. Esquece-se aí da genética, da infância insegura, das dúvidas sobre sua sexualidade, da relação tempestuosa de seus pais, do casamento mais tempestuoso ainda com a “roqueira” Courtney Love, das incertezas e angústias da sua carreira artística, etc, etc.

1 de junho de 2007

Reféns



Um filósofo cujo nome não me lembro agora disse que o fim da humanidade não vai ser devido a nenhuma nova guerra mundial, e sim devido às doenças mentais: nos transformaríamos todos em “loucos” de alguma forma.
Talvez não chegue a tanto. Até porque acredito na capacidade do ser humano de sair dos seus enroscos.
O fato é que realmente a incidência de doenças mentais parece aumentar a cada dia (exageros diagnósticos?).
Frequentemente quando uma pessoa se descobre deprimida, vem a pergunta: “Por que?”
Não existe, normalmente, um por quê. Existem vários:
O “porquê” genético (sempre ele, muito importante)*, o “porquê” social, “porquês” inclusive climáticos (é sabido que em climas muito frios, fechados, há maior incidência de estados depressivos) e os “porquês” cognitivos (pensamentos recorrentes de tristeza, de menos valia) e comportamentais (ações de acordo com os tais pensamentos).
Nestes dois últimos (cognitivos – maneira de pensar – e comportamentais) é que as terapias atuam, com resultados que costumam ser muito interessantes, notadamente com a psicoterapia cognitiva-comportamental, ainda incipiente no nosso país. Infelizmente, porém, somos quase todos reféns de um sistema que privilegia a química (medicamentos, com uma indústria poderosíssima por detrás).

* Nesse primeiro caso (genético) estão muitas das depressões que hoje são chamadas de bioquímicas, em que alterações da bioquímica cerebral “jogam contra” os esforços do paciente para se sentir melhor. É nesses casos – basicamente – que não se pode abrir mão das medicações, além de outras formas de tratamento.