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1 de julho de 2016

Simples Assim


Como nos tempos que correm tem se abolido a sutileza, a ironia, a metáfora, a metonímia ("a metonímia não, não mete a Nímia no meio disso!"), tem que se recorrer (tempos que correm, recorrer, percebe? deixa pra lá!) à explicação ipsis litteris (detalhada, tim-tim por tim-tim, mas se você prefere, pode ser outra operadora) para tudo, sob pena de ser mal compreendido. Compreende?
Então. No caso das prescrições também têm sido assim. Trabalhosamente assim.


"Olha, estou te prescrevendo isso. Serve pra isso, pra isso, e também pra aquilo outro. Deve ser tomado a cada 12 horas, o que naturalmente quer dizer duas vezes ao dia (visto que 2 vezes 12 horas é igual a 24 horas, o que fecha um dia). Sugiro que escolha um horário conveniente, visto que às 4 da tarde pode ser um bom horário, mas 4 da madrugada é contra-producente. Pode tomar com água, mas com suco de pacote de frutas vermelhas, sei lá (o fabricante talvez não tenha previsto)! Goela abaixo faz o mesmo efeito, desde que a goela do próprio paciente (não a do pai do mesmo). O "farmacêutico" (balconista, com pinta de quem sabe tudo e vestido com jaleco parecido com o do médico só por coincidência) irá dizer que faz mal ao seu filho, que se fosse ele não daria. Siga em frente. Compre mesmo assim. Recuse imitações baratas. Imitações caras podem ser negócio. Confira a validade ("venc."), que é a data que vem depois de "fabr.", que significa que seu filho pode tomar até aquele dia ali, que é até onde o fabricante garante que os efeitos colaterais se deverão somente ao próprio medicamento, não ao seu vencimento. Ao chegar em casa, esteja preparado para o momento mais crítico: a avó. Ela, naturalmente, irá dizer que tá louco, que esse remédio não serve, que esse médico não sabe nada, que ela criou quatro, e que um chá de boldo é muito mais eficiente (ela não dirá "eficiente", mas é o que ela quererá significar). Não discuta. Principalmente se for mãe do pai (para a mãe) ou mãe da mãe (para o pai), não discuta. Diga ãhãm. Só ãhãm. Para tudo que ela disser. Finja (não gosto de propor isso, mas finja) que está se direcionando para a lixeira da cozinha (onde, naturalmente, um medicamento não deveria ser depositado, mas é só para efeito teatral), conferindo se a vovó voltou para seus afazeres. Prepare. Como, prepare o que? Prepare o medicamento! Dilua. Esse é outro momento em que algum preparo é necessário, o preparo. Água no pó. Na quantidade certa. Nem mais, nem menos água, porque o pó já está todo ali dentro. Água mineral? Pode, mas não precisa. Suco de frutas vermelhas de pacote? Não! Ah, mas daí o Júnior não toma? Explica pra ele que é melhor que injeção, com algum risco de traumatizar a criança (há psicólogos em boa faixa de preço). Dê a quantidade indicada na receita, nem mais nem menos. Principalmente não menos, nem "metade da dose porque eu não confio muito nesse médico". Ou confia ou não confia. Se não confia, volte pra primeira casa (aquele jogo, lembra?), e faça tudo de novo: saia de casa, espere na fila, converse sobre o tempo e a política com o vizinho da fila, aceite a bala, fale delicadamente com a moça grossa sobre para quem você quer uma consulta, reclame, pergunte se não pode ser pra antes, aceite a data indicada, pergunte pra vizinha da fila (a da bala) se esse médico é bom mesmo, como é que ela sabe, combine para chegarem juntas porque o médico demora, e assim poderão falar mal das suas sogras, vá na data indicada (nem mais, nem menos), compareça na sala do médico quando chamada, apresente o Júnior, explique a situação, espere examiná-lo, e aí, confira se a receita não é a mesma, caso na qual todo o processo terá que ser repetido novamente".