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29 de maio de 2015

Agressão do Luxo


Fedidas, sebosas e reluzentes.
Há não muito mais de duas gerações pra trás, assim eram as crianças, principalmente no inverno.
Banho foi um luxo, banho quente um luxo tremendo, só reservado para reis e rainhas, e olhe lá.
Mas a humanidade inteira sempre viveu mesmo foi na crosta, na casca, no sebo.
Aí, hoje, mamães e papais acham que essa mordomia da água quentinha, do banhinho demorado sempre foi assim. E não imaginam que a pele humana não foi feita pra suportar essa "agressão de luxo".
Peles secas, coceiras, irritações crônicas da pele e até mesmo feridas surgem pela alteração da camada externa da pele, que nunca viu tanto banho. Paradoxalmente, quanto mais água a pele vê, menos umidade tem. 
E muitas vezes a culpa recai nos produtos de lavagem das roupas, na dieta da criança, no tipo de sabonete (ainda que esse último também contribua para o estrago). 

"Nem tanto à terra, mas principalmente nem tanto ao mar", é o ditado pro inverno.

26 de maio de 2015

Fontes


Chegando de mais um dia extenuante de trabalho (tá bom, nem tão extenuaante assim!), ligo a TV (pra "fazer uma boca") e qual é o assunto?
Dor de garganta. Como trata, mitos, verdades, etc.
Num jornal - certamente num dia com pouco assunto relevante.
Com uma médica como fonte, apenas. Mas o tema todo explicado por uma jornalista. 
Pra variar, com bobagens entremeadas por orientações corretas.
Culpa da médica? Pode ser. Mas quem dá o trato final é sempre o jornalista. E aí é a coisa do telefone sem fio: você ouve "bisteca boa de porco" e manda "biscate boa de corpo", um perigo!


Em informações sobre saúde já é bom você ouvir direto da fonte. Mas ainda assim, você mesmo(a) pode atrapalhar a compreensão completamente. Por vários motivos, que vão da laicidade (natural) até o querer ouvir só aquilo que é favorável a você.

22 de maio de 2015

Destino


Na maioria das vezes, o peso é destino.
Mas médicos continuam implicando com os pesos, sejam eles para cima ou para baixo.
Quando é para cima - e principalmente quando é para cima por agum(uns) fator(es) modificável(is) - ainda vá lá, dependendo do jeito como se fala. Há médicos que mandam: "Mês que vem quero ver você com oito quilos a menos!". A resposta deveria ser: "E eu quero ver você vestido de Carmen Miranda!". Tem o médico o direito de tentar influenciar tanto assim na vida do paciente? Na maioria das vezes, esse tipo de comportamento serve apenas para causar inimizade e frustração. E pesos que baixam "na marra" costumam retornar vingativos!
Agora, quando é para baixo, aí mesmo é que a coisa fica ridícula!
Para que alguém precisa ter mais peso?*
De que maneira se aconselha alguém a engordar? 
À la foie gras, abrindo o bico e tascando comida dentro? Fará bem? O alimento será bem digerido? Qual o resultado, maior quantidade de gordura visceral, propensão à diabete? 
Vamos aprendendo que o melhor (pelo menos pra nós, da área médica, que não devíamos mandar em quase nada) é deixar o peso do paciente (e o dono do peso) em paz. Se ele estiver insatisfeito, a conversa é outra!

* A exceção seria para casos de anorexia (em que se trata o distúrbio causador da perda de peso, mas nunca se "reclama" do peso baixo, pois costuma ter efeito contrário) e casos de caquexia (perda de peso por carência grave de nutrientes, principalmente em idosos e pacientes com câncer).

19 de maio de 2015

Nome e Profissão


Volta e meia a gente comenta no dia a dia das maternidades que essa história de contar com o ovo dentro da galinha é perigoso. Metaforicamente ou não.
Estudo desse mês na revista Obstetrics & Gynecology mostra que a maioria das pessoas já dá nome e profissão pro embrião, por assim dizer.
Esquecendo que cerca de 15-20% das gestações não vinga, normalmente por "defeitos" genéticos inerentes à própria multiplicação celular do embrião ou - com menos frequência - por problemas médicos da mãe (ou, ainda, pelos seus hábitos inadequados como o consumo de álcool ou fumo). Pesquisados responderam (erroneamente) que o aborto espontâneo ocorreria em cerca de 4 a 6%, apenas.
Erguer peso, "nervoso", etc. não entram como causa. E aí outro erro de concepção: a não ser no caso do uso de substâncias pela mãe, não há "culpados" pelo fato. O desconhecimento, então, leva à culpa. Faz os quase-pais se sentirem mal a respeito da perda, de resto comum. E a religião não ajuda, pois tende a aumentar culpas ("Deus não quis!...").

15 de maio de 2015

Na Moita


Há uma especialidade pediátrica que tem nos deixado com pena de quem tem trabalhado nela ultimamente: a Neurologia Pediátrica.
Surgiu como um ramo muito nobre da Pediatria: para tratar de pacientes com doenças agudas e crônicas do sistema nervoso, ambas muito angustiantes para pacientes e pais. E muitas delas com pouco a se oferecer em termos de tratamento.
Uma verdadeira arte, mais do que uma simples profissão.
O problema (e tinha que haver um problema) é que a "loucura" da sociedade atual a tem desvirtuado. Hoje, neuropediatras quase que tem que andar se escondendo por aí, tal é a avidez de pais, professores, parentes, vizinhos e outros pitaquentos para que se trate o mundo infantil de "algo".
"Ah, mas essa criança não pára quieta!", "Esse menino tem que ter alguma coisa, não é normal esse comportamento!", "Tá com muita dificuldade na escola!", "Vive muito triste!", "Não presta atenção no que a gente diz pra ele!", "É agitado!", "Quer sempre bater nas outras crianças!"...
Não há mais o "normal". Ninguém vai crescer e, naturalmente, mudar de comportamento. O papel da educação, do exemplo, da autoridade, a compreensão das fases da criança, do papel da mídia, dos eletrônicos, do consumismo, da falta de valores, foram reduzidos a um nada. 
É médico. É especialista. É remédio. É "a solução para os nossos problemas".
E marca pra hoje, que eu não posso esperar!
Funcionários de postos de saúde têm relatado do perrengue que passam diariamente com a insistência da turma para marcar consultas com o profissional.
Da dó.



12 de maio de 2015

Jotinha


Tenho um paciente que me enche de alegria quando eu o revejo.
J. foi uma criança prematura extrema, nascida em condições sociais complicadíssimas, de uma mãe que parecia totalmente descuidada.
Apresentou várias infecções no primeiro ano. De algumas delas achei que não sairia com vida. Nossos tratamentos e acompanhamentos tinham a precariedade do sistema público de saúde, o que reforçava meu pessimismo.
Ao completar 1 ano, J. não tinha, pasmem, muito mais do que cinco quilos, quase o peso de um recém-nascido do termo! Nas investigações que fizemos, nada justificou essa evolução tão problemática (a não ser a própria somatória da prematuridade + condições sociais).
J. no entanto foi crescendo. Pouquinho, no seu lerdo ritmo. E passando por cima das dificuldades, como um trator (ainda que um trator de brinquedo).
Hoje, com ainda menos que uma dezena de anos, J. de uma certa forma "assusta" quem o vê pela primeira vez (médicos incluídos). É diferente. Parece um homenzinho em miniatura.
Mas é, como diz a canção do Guilherme Arantes, cheio de charme. De uma simpatia, de uma vivacidade, e, principalmente, irradiante de vontade de viver.
J. é mais um que nos ensina:
Que não sabemos quase nada.
Que as histórias de vida nem sempre serão, mas podem ser surpreendentes.
Que devemos, por princípio, acreditar nas mães. Elas cansam de nos dar amostras de que podem vencer tremendas adversidades.

8 de maio de 2015

UTI Móvel


Seus problemas acabaram!
Finalmente criado o aparelhinho que, acoplado ao recém-nascido, avisa constantemente aos seus pais dos seus dados vitais, seja dia ou seja noite.
Agora sim!
Pais poderão trabalhar, dormir ou fazer amor sossegados!
À menor variação do ritmo cardíaco, à menor pausa respiratória, ao menor movimento suspeito, um alarme sonoro avisará aos cuidadores, que poderão, então, correr para socorrê-lo, animá-lo ou, em alguns casos, reanimá-lo prontamente.
É o fim da ansiedade. As noites no seu quarto daqui pra frente serão tranquilas como um ambiente de uma UTI. Seu trabalho será muito mais produtivo, sem ter que ligar para a vovó pra saber como o Júnior está. 
Proximamente, um relatório (eletrocardiográfico) poderá ser impresso no final do dia. Alternativamente, pode ser enviado para seu Facebook ou Instagram, para que seus parentes distantes também confiram o estado da sua saúde - e quem sabe sugiram algum tratamento, em caso de necessidade.

Que felicidade, vivermos no século XXI! Pensar que seus pais e avós dependiam de coisas como febre, choro intenso ou aspecto da criança! Não aprendiam nada, não sabiam nada!

5 de maio de 2015

Onde Está A Novidade?


Onde está a novidade?
Um rapaz negro de uma cidade americana, com passagens pela polícia, é assassinado (provavelmente pela mesma) durante uma prisão por "atitudes suspeitas".
A parte envolvida (negros da mesma cidade) se revolta e transforma o local em campo de batalha.
Um dos rapazes presentes na manifestação, ao ser flagrado pela mãe, é mandado pra casa "na porrada" em frente às câmeras de televisão.
O restante do país (e boa parte do mundo) aplaude a mãe truculenta, dentre outros motivos porque "protegeu seu filho de mais uma ação policial preconceituosa contra pobres e negros", mas também (e muito) porque botou mais um rapaz violento e problemático (mesmo sendo o próprio filho dela) pra correr...
Baltimore é, ao que parece, a síntese do estado atual da educação e das políticas públicas, onde os problemas se resolvem mais na pancadaria do que na conversa, no cumprimento das leis, nas medidas sociais.

Há milhões de Baltimore em cada país, do primeiro ou do terceiro mundo. Por isso essa notícia já está, hoje, ficando velha.

1 de maio de 2015

Ratos


Sempre que se inventa alguma nova medicação (e, principalmente, sempre que se inventa um novo uso para alguma medicação já existente - fato muito mais comum), estudos são realizados para se saber a segurança, o real efeito, a vantagem sobre as medicações já existentes, etc.
Muito bonito na teoria. Se fosse realmente assim.
Não é. Infelizmente a coisa pega em muitos passos necessários até que a medicação chegue à você.
Lobistas da indústria trabalham tanto quanto seus bioquímicos, e fazem jus aos seus altos salários. Já na "linha de montagem" estão arduamente convencendo pesquisadores a provar a eficiência do produto (nem que pra isso tenham que passar por cima de algumas considerações éticas), aliciando médicos iminentes a experimentarem e propagarem os bons efeitos, distribuindo informações em tudo quanto é mídia (científica e leiga) afirmando que os benefícios são líquidos e certos.
Uma das questões mais complicadas é o chamado longo prazo. Muita medicação bacaninha (algumas supostamente milagrosas) só foi se mostrar problemática com o passar de anos do seu uso. 
Exemplos abundam. Só para citar um, na reposição hormonal da mulher na menopausa: inicialmente fez-se reposição com estrogênios (o hormônio que ia declinando com o avançar da idade) para se descobrir que aumentava casos de câncer no útero. Depois, se passou para reposição com estrogênio + progesterona, para se perceber, anos após, que os casos de câncer de mama é que estavam aumentando. Recentemente, a preocupação com a incidência do câncer de ovário tem feito ginecologistas pararem para pensar se a menopausa é, de fato, tão ruim assim. Meio tarde para muitas das vítimas que se animaram com a perspectiva de prolongar sua feminilidade perdida, além da promessa oficial de uma proteção cardiovascular difícil de comprovar. Culpa do longo prazo. Ou do desprezo que a indústria farmacêutica (e a classe médica) dá a ele.
Vestido tem moda. Televisão tem moda. Celular (ou smartphone) também. Medicação, não. E o conceito de "novidade" é extremamente perigoso nesse mercado. Gente doente tem pressa, e costuma confiar cegamente em tudo de bom que o remédio oferece. Mas não são e não podem ser ratos de laboratório.