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31 de maio de 2013

Passarinho na Janela



Não raro travamos extensos diálogos com pais de pacientes a respeito da necessidade de usar determinado tipo de medicamento.
E, também não raro, perdemos.
Sinal dos tempos, em que os pacientes estão como passarinho na janela: à menor aproximação abrupta, lá se vão eles para sempre!
Irremediavelmente (literalmente, irremediáveis - ou irremediados, ou ainda, para os remédios dos outros).
Melhor assim. Não se pode ser contra o diálogo. 
Quem deve autorizar a agulhada no bumbum é o dono do mesmo, e não o dono da agulha. 

28 de maio de 2013

Ratos Pedreiros



Quando comemos, uma cascata de eventos metabólicos põe-se em marcha. Por horas.
Em questão de minutos a glicemia vai subindo, atinge um pico, vários hormônios ligados à digestão e à saciedade aumentam, apenas para irem descendo em questão de minutos ou horas, assim como a própria glicemia. 
Glicemia, metabólitos e hormônios que sobem e descem, de forma coordenada, cíclica, como ondas do mar.
Quando comemos a qualquer hora, sem o devido respeito ao ciclo glicemia-hormônios da digestão (como fazem muitas crianças e adolescentes que passam o dia em casa frente à televisão ou ao computador), os hormônios "pifam" na sua capacidade reguladora de um organismo saudável. As ondas se transformam num mar em tempos de calmaria, com maré cheia.
Criam-se as condições para o desenvolvimento do aumento do colesterol, da insulina, das inflamações, da doença do fígado, etc.
Um estudo com ratos realizado ano passado confirmou todas essas alterações de forma clara: comendo à vontade a mesma quantidade de calorias nas 24 horas, ratos que concentraram essas calorias apenas no período noturno (período da sua maior atividade) desenvolveram muito menos alterações metabólicas e se mantiveram mais ágeis e saudáveis, mesmo com refeições ricas em gorduras.
Mal comparando, é o que acontece com a maioria dos pedreiros: comem abundantemente, mas apenas em determinados horários. Agruras profissionais à parte (pelas dificuldades do esforço diário e dos salários relativamente baixos), são mais saudáveis - metabolicamente falando - que outras categorias profissionais com acesso à comida o dia todo. 

24 de maio de 2013

Um Cheiro no Ar



Você sabe o que é (ou, mais exatamente, quem é) um "HSH"?
Por mais esquisito que possa parecer, é a definição recente adotada por órgãos governamentais responsáveis pelo combate à Aids dos homens que de vez em quando, digamos assim, "queimam a rosquinha".
Recorro ao chulismo até para deixar o assunto mais leve mas, para os da minha geração careta, os dados oficiais são espantosos:
Os HSH, Homens que fazem Sexo com outros Homens (esporadicamente ou constantemente - isso incluiria também os homossexuais, então "afetivamente envolvidos", veja como as fronteiras se borraram para quem é mais velho e "careta"...) na faixa dos 15 a 24 anos eram, nos anos 1990, 25,2% (cerca de1/4 da população jovem masculina). Hoje (dados de 2010) representam 46,4% (quase a metade da população masculina jovem!).
Ou seja, caminhamos - queiram ou não queiram, machos imolados em praça pública ou não - para proporções platônicas.
E aí, o dado assustador (que eu não ia ficar só no lado "farra" da coisa!): 
Dados do Ministério da Saúde permitem estimar que nessa turma liberal toda, a incidência do HIV chegue a perto de 10%. É quase o dobro da incidência dos usuários de drogas (5,9%) e das mulheres profissionais do sexo (4,9%)!
Na última década, então, a direção para uma maior liberalidade trouxe junto o esquecimento dos riscos. 
Jovens da década de 1980 passaram a temer uma doença que era, para todos os efeitos, mortal e terrível. Jovens atuais não viveram isso, e acham que Aids se trata como gonorréia, um enorme perigo! 

21 de maio de 2013

Surpresa



Impressionam as reações de certas crianças acostumadas a uma vida de maltratos - não maltratos propositais, maldosos, mas maltratos da vida, das condições sociais subótimas - que, ao chegarmos nós, pediatras, apenas mais um dos seus supostos agressores, mansamente, brincando, explicando procedimentos, acariciando enquanto examinamos, vamos percebendo expressões de medo, de desconfiança transmutando-se em "êpa", "como assim?", "pode isso, alguém tão bom (ou pelo menos, nada ruim)?", e, ao final, sorrisos, aleatórios dentes à mostra e, em alguns casos, conversas, provocações, gritos de desafogo confundidos com alegria e, quem sabe, na saída, à pedido de uma mãe igualmente surpresa, até mesmo... um beijo!

"Doutor, então quer dizer que estou curada para sempre?"
"Se por sempre se entende o momento compreendido entre o início da sua pergunta e o final da minha resposta imagino que... sim!" 

17 de maio de 2013

Ignorantes Diplomados



Você já ouviu falar de alguém que compreenda todos os mecanismos envolvidos no funcionamento do universo?
Absurda tal suposição.
O organismo humano é, também, um universo. Um universo em miniatura. Nas suas mesmas complexidades, nos seus mesmos insondáveis mistérios, na sua plácida insensibilidade aos esforços para modificá-lo (e, a se pensar bem, mesmo a aparente contradição da fragilidade humana comparada à solidez do universo desaparece em se tratando de escala).
E alguém que suponha conhecer a natureza humana - assim como alguém que se assoberbe em ter as chaves do mundo na palma da sua mão - pode tranquilamente ser elevado (pois "elevado" talvez seja) à categoria de louco.
E - pensa bem - não é o que nós, médicos, muitas vezes cremos fazer?
Um remédio, uma cirurgia salva ou melhora. Piora ou extingüe. Assustadoramente fácil, por vezes.
Ainda assim, nos mantém ignorantes.
Ignorantes dos motivos da resistência de uns e da pobre resposta de outros. Da recusa ou do envolvimento. Da fácil desistência. Das superações, ou do entorpecimento. Da brutalidade ou da mansidão absoluta.
Ignorante das doses. Do efeito placebo. Da real necessidade disso e daquilo. Ignorantes dos reais motivos pelos quais fomos consultados.
Arrogantes e presunçosos ignorantes diplomados. 

14 de maio de 2013

Floração



Incrível como possa parecer, nossa relação com o mundo bacteriano é mais íntimo do que sonha nossa vã filosofia.
Nossas bactérias (essencialmente "do bem", protetoras das nossas funções vitais) ultrapassam o número das células do nosso corpo numa razão aproximada de 10 para 1 (já sei que tem gente que vai dizer que "quem foi que contou uma por uma?"...).
As funções orgânicas por elas afetadas vão desde a conhecida função imunológica até as mais recentemente descobertas regulações da nossa própria psique. É isso mesmo, podemos estar mais ou menos tristes ou ansiosos ou agressivos dependendo da nossa flora bacteriana (curiosamente essa influência parece ser maior quanto mais cedo na vida se modifica a proporção germes bons/ germes maus)!
E de cara, lembro de três eventos importantes modificadores de flora bacteriana em idade tenra - onde se pode facilmente atuar para uma futura vida mais saudável e equilibrada:

1) tipo de parto: o parto vaginal apresenta para o sistema imunológico bactérias do canal vaginal, criando uma defesa precoce por parte do recém-nascido

2) amamentação: conhecidíssima influência no desenvolvimento de flora - para a vida toda!

3) uso de antibióticos: influenciando negativamente no abuso ou uso indevido, fato ainda negligenciado por boa parte da classe médica e pacientes 

10 de maio de 2013

Quartos Vazios



Até os idos de 1800 e pouco (segundos, em termos de história da humanidade) a morte de uma criança, acredite, significava pouco.
Muitos são os relatos históricos interessantes.
O papa João Paulo II, por exemplo, teve outros três irmãos com o mesmo nome que ele que não "vingaram". Morreram nos primeiros meses ou anos de vida. Tal era a facilidade de morrerem, que os pais, por homenagem, por insistência ou talvez por "preguiça" de achar outro nome que agradasse, davam o nome do(s) filho(s) anteriormente falecido(s).
O famoso "rei-Sol", Luis XIV da França, apaixonou-se perdidamente pela criada responsável pela criação de seus filhos ilegítimos quando esta anunciou emocionada que um deles estava muito doente (emocionar-se pela morte de uma criança que não era sua era hors-commun).
Hoje, nas sociedades mais civilizadas (ou mais exatamente menos pobres) a morte infantil vem se tornando uma quase raridade.
Pode parecer que não haja relação (afinal, cada vida é e sempre deve ter sido muito especial), mas a raridade do evento o tornou muito, mas muito mais temido.
Pais do passado não temiam doenças graves da mesma forma que hoje.
Hoje são fantasmas, relativamente distantes para a maioria.
Antes eram quartos vazios. 

7 de maio de 2013

Colegas de Avental



Entende-se a preocupação de professores que enquanto estão no lugar dos pais cuidando dos filhos dos outros têm a missão de zelar pela saúde dos pequenos.
Daí a se transformarem em experts em saúde infantil, a coisa começa a se complicar.
Era vez ou outra, mas hoje são diários os "encaminhamentos" solicitando condutas pediátricas (ou psicológicas, ou até mesmo neurológicas) por parte dos atentos e bem intencionados professores. 
É palidez demais, é agitação fora do comum, é atenção de menos, é melindre, é falta de apetite.
Toda a preocupação parental transferida ao corpo docente, repassada em encaminhamentos, cartinhas ou anotações nos cadernos aos pais culpados de desatenção, de desconhecimento ou até mesmo de negligência.
Não se trata de fechar os olhos aos verdadeiros problemas. Mas os avisos, os alertas, as cartinhas não abrem portas, não garantem o acesso aos serviços de saúde.
E às vezes dão de cara com profissionais atarefados em serviços de urgência, impacientes com "colegas" professores sugerindo diagnósticos. Ou, o que é pior, criam uma angústia danada nos pais até que consigam vaga em serviços ambulatoriais, que já andam escassos.
É meio que hora de lembrar que cada um na sua, que há um limite para soar o alarme, que a escola não é constituída - na maioria - de crianças doentes ou problemas.
Graças à Deus! 

3 de maio de 2013

Devolvam Minhas Amígdalas!


 
Vamos falar (ou escrever) claro:
No nível de conhecimento atual quase que não há mais nenhuma indicação de retirada cirúrgica de amígdalas por conta das tais “infecções de garganta de repetição”.
Crianças (ou mesmo adultos) que apresentam infecções de garganta a toda hora o que precisam é de conhecimento.
Conhecimento:
§ de que em algumas fases da vida as infecções de garganta podem acontecer de forma mais freqüente (o que não quer dizer que acontecerão a vida toda)
§ de que infecções de garganta não costumam ser problemas sérios (ainda que muito incômodos em alguns momentos)
§ de que alguns fatores (alguns deles controláveis) são grandes favorecedores de infecções (como o número de “parceiros de beijo” na adolescência, que faz com que germes estranhos ao organismo sejam adquiridos, ou como o stress diário no caso de muitos adultos)
§ de que o problema maior (especialmente em crianças) não são as infecções bacterianas, mas o diagnóstico errado (no caso das inúmeras faringites virais), com abuso de antibióticos, o que facilita infecções a posteriori.
§ de que a retirada das amígdalas não resolvem os problemas acima (paciente sem amígdalas ainda têm faringe – Ih, é bom nem dar idéia!)
As cirurgias de amígdalas ainda hoje têm sido um grande ganha-pão (nesse caso, ganha-a-padaria-toda!) dos otorrinolaringologistas, que amiúde prescrevem antibióticos a torto e a direita, ajudam a criar germes resistentes na mesma população que depois eles mesmos vão indicar cirurgia (para eles mesmos operarem! é ou não é um grande negócio?).