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17 de setembro de 2013

Neuras



Viver é um eterno desafio.
Há um conto formidável do também formidável Luis Fernando Veríssimo em que um sujeito, com medo dos possíveis acidentes que a vida pode lhe impor, vai se isolando no seu quarto, apenas para ir percebendo que também ali pode ser atingido por um raio, se engasgar fatalmente com alguma comida, ter uma parede da sua casa desabada, etc.
Há perigos imprevisíveis. Ou melhor, até que são meio que previsíveis (é melhor não estacionar seu carro embaixo de um prédio em obras, por exemplo, um pobre pedreiro pode cair, estragando seu querido bem).
Por isso deve chegar uma hora em que abdiquemos da insuportável chatice de ficarmos nos beliscando, checando nossa respiração, conferindo nossa cor, percebendo a tonalidade de nossos cocôs, etc.
Isso tudo tem nome: neurose. Talvez o grande mal do atual século (e dos vindouros).
Um neurótico é ótimo cliente de laboratórios. Laboratório de análises clínicas e laboratório farmacêutico. É ótimo cliente de farmácia - compra e experimenta de tudo. Engole qualquer pílula. Engole qualquer campanha de promoção de saúde e prevenção de doença. São então, também, a alegria dos políticos, bem intencionados em fazer o neurótico viver melhor(?) e votar.
Eu não sei se você percebe, mas estamos caminhando para um mundo com cara de que a perfeição  (e a imortalidade) podem ser atingidos. Um mundo em que a única perfeição está no simular as falhas da falta do básico, do desvio do simples para privilegiar o complicado, do terrorismo oficial.
Da neura, enfim. Da neura sem fim. 

13 de setembro de 2013

Teste do... Coraçãozinho!



Eu sei que vão me jogar pedras de todo o lado de novo. Uma lapidação a mais não vai fazer grande diferença:

Há pouco mais de dois anos fiz aqui uma aposta: a de que o próximo teste "inho" a ser instituído nas maternidades brasileiras seria o do cocô, teste do cocozinho ("teste da caquinha?")
Perdi (mas ele ainda vem, nova aposta!).
A novidade (pois os legisladores sabem que adoramos novidades) é o "teste do coraçãozinho".
Mais uma balelinha oficial.
O teste, uma medição da saturação de oxigênio (oximetria) do bebê que deveria detectar problemas cardiológicos que escaparam dos crivos do ultrassom gestacional e do exame clínico por parte do pediatra (este, claro, cada vez menos importante, pois temos gadgets para substituí-lo), começa agora a pipocar por aí.
Bom. Aparentemente.
Um estudo recente mostrou que aproximadamente 10 mil crianças passarão pelo teste para que uma tenha detectado problema não identificado de outra forma. 
Pouco? Muito? Julguem vocês.
São dez mil bebês que terão que colocar a geringonça nos seus braços e pernas (indolor, é verdade). São dez mil mamães que terão que esperar mais esse procedimento com as malas e sacolas arrumadas embaixo do leito hospitalar.
Mas, e o pior?
Nesse mesmo estudo citado, 163 bebês (de uma amostra de 20 mil) apresentaram resultado falso-positivo. Significa que seus pais foram avisados de que "Ôpa, podemos ter aqui um problema!" (com toda a ansiedade que isso causa, com consequências desprezadas), mas que, após avaliação ecocardiográfica, nada de anormal apareceu.
Vale a pena?
Burocratas e políticos (burocratas e políticos médicos, na maior parte) decidiram por todos: sim.
Mães, desfaçam suas malas. Tragam televisão e, talvez, geladeira. 

10 de setembro de 2013

"Reumatismo de Criança"*



antigo recente problema reumático mais frequente em crianças, a febre reumática, vem deixando de ser um problema (há cerca de 2-3 décadas, por isso "antigo recente").
E os arautos do uso do antibiótico para qualquer espirro dão o mérito para eles, os antibióticos.
Pode até parecer, visto que a febre reumática é ocasionada por um tilt, uma falha no sistema imunológico do doente, cujos anticorpos "trocam as bolas" no interpretar tecidos do próprio organismo (como parte das cartilagens das articulações, daí os sintomas) como inimigos, após uma mera infecção bacteriana da garganta (amidalite). 
Então. Parece, mas não é.
Estudos mostram que o que faz diferença é a melhoria na qualidade de vida da população. Melhorias sanitárias, por exemplo.
Além disso, a virulência (a "brabeza" do germe) diminuiu nesse período, por razões ainda ignoradas. E aí nada impede que em algum momento (principalmente se a qualidade de vida volta a piorar) o germe, o estreptococo, volte a ficar agressivo, virulento.
Por que - pra você que é novinho(a) - a febre reumática preocupava (preocupa) tanto? Porque além de afetar as juntas (articulações), um efeito importante mas reversível, afetava também o coração - principalmente as válvulas cardíacas - a cardite reumática, às vezes irreversível.

(De novo, pra você que é novinho, a febre reumática é aquela doença em que a criança, uma vez afetada, tem que tomar uma Benzetacil a cada 2 a 3 semanas para evitar o reaparecimento da doença)

* Esse termo propositalmente errado (reumatismo) sempre foi associado à febre reumática. Mas existe, sim, o "reumatismo da criança" (a artrite idiopática da infância, ou artrite reumatóide juvenil, com características mais parecidas ao reumatismo - artrite reumatóide - do adulto, pouco frequente e de difícil diagnóstico). 

6 de setembro de 2013

Magnésio




- Doutor, eu quero um exame de sangue!
- Muito beeem, está aqui!
- Obrigado, doutor, então... ei, o que é isso aqui? Magnésio?
- É um pedido de dosagem de magnésio.
- Mas eu pedi um exame de sangue!
- E você acha que o magnésio dosa aonde? No xixi? É no sangue!
- Mas, doutor, quando se pede "exame de sangue", que tipo de exame se está falando?
- Aí é que está. Depende do cidadão, do "pedinte". Pode ser dosagem de hormônio, pode ser dosagem de medicamento (se o sujeito toma!), pode ser uma avaliação da coagulação, um hemograma...
- É isso, doutor! Um hemograma! Não é esse exame que mostra se tem anemia?
- É... quer dizer, dentre outros...
- Então! É esse que eu quero!
- E por que? Você acha que tem anemia?
- Acho. Quer dizer, não sei! Não é um troço que um monte de gente tem? Anemia?
- É. Mas adesivo da Apple no vidro do carro também tem um monte de gente que tem. E por que é que você não me pede um adesivo da Apple pra por no vidro do carro?
- Não sei, doutor, ando meio fraco ultimamente.
- E por isso você acha que pode estar com anemia. Fraqueza é igual a anemia... E se for falta de magnésio?
- Mas eu nunca ouvi falar de falta de magnésio...
- Eu, também, nunca tinha ouvido falar de tartaruga com duas cabeças. Mas diz que existe.
- Mas esse magnésio aí, dá fraqueza?
- Assim como mais 3.675 problemas médicos.
- E tem exame pra isso tudo?
- Pra grande parte, tem. Só tem dois problemas.
- E quais são?
- Primeiro, você não tem sangue pra dosar tudo isso.
- E segundo?
- Pouca tinta na impressora. 

3 de setembro de 2013

Pepita



Como você está vendo, tem muito pouco pediatra na praça (não, não é na praça em frente à sua casa, aí pode ter muitos, digo na praça trabalhando, disponível, acessível - fácil, enfim).
Então. Neguinho não quer passar um quarto da vida ralando nos bancos universitários, ao lado de leitos hospitalares para ganhar pouco, se incomodar muito, é o que dizem.
Pode fazer a enquete: o que costumava ser 1/4 dos formandos em medicina passou a ser 1 ou 2 abnegados. E o que é pior, fazem pediatria como porta de entrada para subespecialidade (trabalho em UTIs neonatais, dentre outros).
Há pouca solução.
Mas qual seria uma das piores soluções imaginadas?
Aumentar o período de residência (especialização) de 2 para 3 anos. Se já não querem do jeito que está...
No entanto, foi exatamente o que a Sociedade Brasileira de Pediatra conseguiu fazer esse ano!
Médicos "loucos" para se tornarem pediatras agora terão mais um ano de formação. Que não é que não seja interessante em termos de bagagem. Mas não se torna uma pepita rara menos rara destruindo as minas.