Ele mexeu na maçaneta. A intenção era só checar a maçaneta, mas como a porta cedeu, foi entrando.
Penumbra. E, apesar da penumbra, percebeu que a sala era um quadrilátero perfeito, sem janela, iluminado fracamente por não se sabe onde, iluminação muito parecida com as salas de interrogatório vistas nos filmes de prisão. Apenas que sem ninguém. Nem ao menos um microfone no centro.
E como se fosse mesmo um interrogatório, sentiu vontade de falar (ainda que num interrogatório não se fale por vontade, fala-se por pressão).
No início meio timidamente, como costuma acontecer e, aos poucos encorpando a voz, tornando-se mais corajoso, a confissão foi saindo, mais fácil do que ele próprio esperava. Confissão pra quem? Com que finalidade?
Realmente importava? Por saber que a resposta era negativa, soltou o verbo:
“Eu sabia que isso ia acontecer um dia. Só não imaginei que tão de repente. Estava na cara: há mais pessoas querendo se expressar do que gente querendo ouvir. Afinal, não essa é a história do ser humano? O que faltava era palco”.
“Agora, não. Os palcos estão todos aí, escancarados. Graças a trabalhos incansáveis de Gates, Jobs, Zuckerbergs. Finalmente, após séculos – só vou até séculos, pois não sei o que se passava antes – a humanidade pode dizer o que pensa”.
“E não só isso, pois se dizer o que se pensa não é privilégio dessa faixa da história (dos poucos séculos que sei), sempre houve muitos corajosos que ousaram levantar a voz, gritar, esbravejar, reclamar direitos. A diferença agora é jogar para cima no universo informático e ver as cinzas se espalharem rapidamente. (Ou não. Mais fácil é vê-las caindo ao alcance dos pés). Não é, no entanto, o que importa”.
“O que importa é a percepção. A sensação libertária de que cada erre, cada ele, cada a, cada ipsilone podem, caídos nos lugares certos, encaixados, remover montanhas ideológicas, acordar um japonês de olhos fechados no outro lado do mundo para as bobagens que lá aprontam ou, mais facilmente, convocar dois amigos para um jantar lá em casa. De novo, o efeito é o que menos importa”.
Nisso, ouviu o ruído do que parecia ser a movimentação de uma cadeira. Perguntou:
“Oi! Tem alguém aí?”.
Se tinha, era sério. Talvez houvesse mesmo alguém lhe escutando. E a cadeira, o que era? Aproximavam-se dele? Não pôde deixar de imaginar que a cadeira se mexia porque o ouvinte acabava de cair definitivamente no mais profundo sono. Talvez babasse.
“Alôo!”.
Que alôo mais bobo, esse! Então não deixava claro ao seu confidente sua tremenda carência? E era justamente disso que falava!
Sentiu-se subitamente encenando uma peça facebookiana, bloguiana, onde o protagonista expõe-se da maneira mais franca, inocente, ridícula até, para a fria análise da outra parte, a parte de lá, a parte que analisa, que ri, que zomba, que acha graça ou dorme. E baba. Ou que clica.
“Pum!”
Fim. Outra página, que não há tempo. Há mais e mais pessoas se expressando, falando besteira, chorando, mostrando fotos – algumas que irão rapidamente gerar arrependimento ao fotografado. De novo, não importa. Importa a essência, a imperfeição do ser humano, logo reconhecida por uns, mas entregue a muito custo por tantos outros. Todos se vendo. Mais a si nos outros do que eles mesmos pelos outros.
Era o que faltava. Salas escuras. Quadriláteros na penumbra para confissões que quase inevitavelmente iniciam-se tímidas, vacilantes, mas que vão pouco a pouco se soltando. Manicômios cibernéticos (“não estamos mesmo quase todos em maior ou menor grau loucos?”), controlados, para o benefício de toda a humanidade.
“Ei! Há alguém aí?”, foi sua última tentativa.
Clic.
Penumbra. E, apesar da penumbra, percebeu que a sala era um quadrilátero perfeito, sem janela, iluminado fracamente por não se sabe onde, iluminação muito parecida com as salas de interrogatório vistas nos filmes de prisão. Apenas que sem ninguém. Nem ao menos um microfone no centro.
E como se fosse mesmo um interrogatório, sentiu vontade de falar (ainda que num interrogatório não se fale por vontade, fala-se por pressão).
No início meio timidamente, como costuma acontecer e, aos poucos encorpando a voz, tornando-se mais corajoso, a confissão foi saindo, mais fácil do que ele próprio esperava. Confissão pra quem? Com que finalidade?
Realmente importava? Por saber que a resposta era negativa, soltou o verbo:
“Eu sabia que isso ia acontecer um dia. Só não imaginei que tão de repente. Estava na cara: há mais pessoas querendo se expressar do que gente querendo ouvir. Afinal, não essa é a história do ser humano? O que faltava era palco”.
“Agora, não. Os palcos estão todos aí, escancarados. Graças a trabalhos incansáveis de Gates, Jobs, Zuckerbergs. Finalmente, após séculos – só vou até séculos, pois não sei o que se passava antes – a humanidade pode dizer o que pensa”.
“E não só isso, pois se dizer o que se pensa não é privilégio dessa faixa da história (dos poucos séculos que sei), sempre houve muitos corajosos que ousaram levantar a voz, gritar, esbravejar, reclamar direitos. A diferença agora é jogar para cima no universo informático e ver as cinzas se espalharem rapidamente. (Ou não. Mais fácil é vê-las caindo ao alcance dos pés). Não é, no entanto, o que importa”.
“O que importa é a percepção. A sensação libertária de que cada erre, cada ele, cada a, cada ipsilone podem, caídos nos lugares certos, encaixados, remover montanhas ideológicas, acordar um japonês de olhos fechados no outro lado do mundo para as bobagens que lá aprontam ou, mais facilmente, convocar dois amigos para um jantar lá em casa. De novo, o efeito é o que menos importa”.
Nisso, ouviu o ruído do que parecia ser a movimentação de uma cadeira. Perguntou:
“Oi! Tem alguém aí?”.
Se tinha, era sério. Talvez houvesse mesmo alguém lhe escutando. E a cadeira, o que era? Aproximavam-se dele? Não pôde deixar de imaginar que a cadeira se mexia porque o ouvinte acabava de cair definitivamente no mais profundo sono. Talvez babasse.
“Alôo!”.
Que alôo mais bobo, esse! Então não deixava claro ao seu confidente sua tremenda carência? E era justamente disso que falava!
Sentiu-se subitamente encenando uma peça facebookiana, bloguiana, onde o protagonista expõe-se da maneira mais franca, inocente, ridícula até, para a fria análise da outra parte, a parte de lá, a parte que analisa, que ri, que zomba, que acha graça ou dorme. E baba. Ou que clica.
“Pum!”
Fim. Outra página, que não há tempo. Há mais e mais pessoas se expressando, falando besteira, chorando, mostrando fotos – algumas que irão rapidamente gerar arrependimento ao fotografado. De novo, não importa. Importa a essência, a imperfeição do ser humano, logo reconhecida por uns, mas entregue a muito custo por tantos outros. Todos se vendo. Mais a si nos outros do que eles mesmos pelos outros.
Era o que faltava. Salas escuras. Quadriláteros na penumbra para confissões que quase inevitavelmente iniciam-se tímidas, vacilantes, mas que vão pouco a pouco se soltando. Manicômios cibernéticos (“não estamos mesmo quase todos em maior ou menor grau loucos?”), controlados, para o benefício de toda a humanidade.
“Ei! Há alguém aí?”, foi sua última tentativa.
Clic.