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30 de outubro de 2015

Jet Lag


Sempre tenho dito para as mães que a história das noites delas (e dos pais) com seus pimpolhos mudou muito nas últimas décadas.
Pra começar, mães (e pais) do passado (até meio recente, coisa de duas gerações pra trás) costumavam ter muito mais filhos.
Então, se um deles resolvia querer um pouco mais de atenção noturna, provavelmente não a receberia. Estilo: " Quieto aí e durma!". Era muita gente pra se preocupar (e os pais ainda eram só dois)! 
Certo? Errado? Bom? Ruim? Bom ou ruim para a mãe? E para a criança?
Não há respostas prontas, mas que hoje vemos muito mais mães incomodadas com a "reina" dos filhotes no período noturno (muitas vezes "disfarçada" de fome), isso vemos. Acostumam mal, pode-se dizer, os reizinhos. E acham as mães que somos nós, os pediatras, "os maus", se aconselhamos algum rigor.
A outra questão (para a qual a resposta deveria ser de cara um "tanto faz", sem os exageros do cientificismo das maneiras de se viver) é o: dormir ou não dormir com o bebê na própria cama (tem palavra chique pra isso também: co-sleeping!). 


Já vi - e já me convenci - dos argumentos para qualquer lado. Percebo, no entanto, que as mamães - ao contrário do que se costuma acreditar - dormem melhor coladas no seu rebento (com quase nada de prejuízo pra ambos).

27 de outubro de 2015

Vacina Que "Não Pega"



No programa Bem Estar (o "Mais Você da saúde") dessa semana os médicos convidados explicaram porque a vacinação contra o HPV não está "pegando" (sua cota vem baixando, ao invés de subir).
Não foi isso exatamente o explicado, mas o que parece acontecer com informações na área da saúde para "as massas" é que informação demais dá preguiça, e aí a coisa não acontece.
É difícil imaginar diferente.
Já somos entulhados de informação, desde a hora que acordamos.
Para a mãe, para a dona de casa, para o pai, para o trabalhador, se a informação não chegar redondinha, sem porcentagens, sem gráficos, sem probabilidades, vai passar batida.
Foi dado o exemplo:
Meningite mata. Tem vacina? Tem! Então dá! (o curioso é que nem nesse caso as coisas são mesmo assim tão simples: são vários os tipos de germes que causam a meningite, as vacinas têm eficácias diferentes, para alguns sorotipos não existe vacina, etc.).
No caso do HPV, tem todos esses entraves: serve pra que? Câncer? Na minha filha de 9 anos? Ah, é pro futuro longínquo (o que é "longínquo"?)? Ainda não está provado no prazo longo? Ainda vai ter que cuidar, usar camisinha, fazer preventivo, essas coisas? Ah, então melhor deixe! Ela que se cuide quando for adulta, né?
E por aí vai.


Dificinho, mesmo...

23 de outubro de 2015

Safras


Já está meio que na hora que a sociedade leiga aprenda a diferenciar a criança que foi ou é prematura daquela que foi ou é "prematuuura".
Explico:
Prematuros com menos de 28 semanas de idade gestacional (chamados "grandes" prematuros pelo tamanho da sua prematuridade, não pelo seu próprio tamanho, menor) têm chances bem maiores de complicações respiratórias (que podem se estender pela vida toda), cardíacas, gastrointestinais, neurológicas, etc. 
Já "pequenos prematuros" (acima de 28 semanas, lembrando que são maiores que os "grandes" em tamanho), ainda que não devam ser negligenciados, têm grandes chances de passar pela prematuridade incólumes, ou quase.
Não raramente vemos pais, parentes, profissionais de saúde dando a mesma (às vezes exagerada, às vezes, então, insuficiente) atenção a ambos de forma equivalente.
Grandes prematuros devem ter acompanhamento multiprofissional (neuropediatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, pedagogos) de forma prolongada.
"Pequenos" prematuros podem, muitas vezes, esquecer rapidinho que foram prematuros (e não raramente vemos papais os tratando como "frágeis" por uma vida inteira, o que, certamente, vai ser mais prejudicial do que benéfico!).

20 de outubro de 2015

Contra Acepções


É interessante notar como, em matéria de escolhas contraceptivas, cada país faz o seu.
Tem país que tem horror à hormônios. Tem país que prefere pílula pela "facilidade" ou tradição. Tem país que opta  fácil pela esterilização, enquanto outros consideram isso absurdo, ou mesmo pecado.
As pílulas assustaram muita gente em países melhor informados, por causa de seus sérios efeitos colaterais, principalmente as "de nova geração". Vai levar mais de década para recuperarem seu antigo prestígio. E até lá, já vão existir opções hormonais bem mais seguras.
No Brasil, a pílula ainda tem ibope (em boa parte por desinformação dos riscos e sobre as outras opções contraceptivas).
O que a moça deveria saber é que se ela tem história familiar de problemas venosos (tromboses, flebites em parentes de primeiro grau) ou arterial (doenças cardiológicas ou AVC em parentes jovens), não deve, à princípio, se utilizar da pílula, pois esta aumenta bastante o risco de problemas deste tipo.
Outra informação (negligenciada) é a de que o fumo e as bebidas alcoólicas são uma péssima combinação com os métodos hormonais, pondo em grandes riscos toda uma geração de mulheres jovens.
Portanto, quem é chegada numa bebidinha e no cigarro, deve considerar os riscos que vai correr quando se trata de evitar filhos: ou "pega muito mais leve" ou opta por métodos não hormonais.

16 de outubro de 2015

Estrelas


Quero ver onde vai dar (até agora ninguém sabe, é a única certeza) essa nova, novíssima maneira de se tratar as crianças, onde cada uma é uma estrela.
Durante boa parte da história da humanidade crianças foram muito mal tratadas. Mais do que isso, foram tratadas como uma espécie de E.T., um pequeno adulto meio retardado, que não tinha voz nem vez mas eram engraçadinhas, rivalizando em muito com os periquitos na gaiola.
O que se percebe agora é uma curiosa assunção das próprias: elas se sabem especiais, dotadas de mil e uma qualidades, sabem que as observam cheios de admiração, de respeito pelas suas (imagine!) próprias idéias e vontades.
Não pode ser de todo ruim. Não pode ser pior do que antes - ainda que possa ser meio perigoso, temos escrito isso aqui com alguma frequência.
Estrelas são lindas, enfeitam o céu. Mas são sempre uma pequena parte de um todo. Brilham na medida própria, não passam por cima do brilho das outras. Harmonizam-se, entendem-se umas com as outras.
Belos exemplos.
A mediocridade dói, mas cumpre um importante papel. A grande maioria de nós, por mais que nos esforcemos, não passaremos de esforçados medíocres. É condição sine qua non para que um ou outro se sobressaia.

13 de outubro de 2015

Inimigos Mil


Os perturbadores endócrinos lembram a história do chamado estado islâmico: você sabe que eles existem, podem estar mais perto da gente do que imaginamos, vemos aqui e ali seus grandes estragos, mas eles basicamente se escondem.
P.E. são substâncias (poluentes, medicamentos, resíduos, aditivos, etc.) que "enganam" as células produtoras de hormônios, sinalizando para que funcionem mais, menos ou de forma "bagunçada".
A ciência ainda engatinha na compreensão dos seus mecanismos, mas parece que a somatória (ou mais do que isso, a multiplicação) dos seus efeitos contribuem para essa proliferação de "coisas estranhas" que vemos em certas crianças (precocidade sexual, desenvolvimento mamário absurdamente precoce, alterações genitais ao nascimento, obesidade, etc.), mas também de doenças mais sérias, e até mesmo de certos tipos de câncer.
A gente tenta (como paciente, não como médico) ficar imune - o quanto dá - a esses fatores ambientais todos, mas... quem consegue (minimamente)?
Só voltando pra selva (pra morrer mordido por uma jararaca)! (ainda que a vida na selva também deva possuir seus pequenos perturbadores endócrinos...)



9 de outubro de 2015

Mais dos Mesmos


Ninguém gosta de atendimento médico "a toque de caixa", não é mesmo?
E formação médica a toque de caixa, é bom? Menos ainda!
Pois é mais ou menos o que os ministérios associados da Saúde e da Educação estão propondo.
Abertura de novas faculdades de medicina no interior - e "no interior" significa quase sempre menos qualidade e menos controle - para tentar deixar o médico recém-formado "perto de onde irá depois trabalhar".
Primeiro que não é assim. Caso o médico (o bom médico, que é aquele que interessa) perceba que seu lar, doce lar é pobre de recursos, põe canudo, estetoscópio e escrivaninha nas costas e vai também para áreas mais centrais e abarrotadas, atrás da boa prática (para variar, a dialética do governo petista é o da humanidade médica determinando suas preferências, bonito mas tão inocente quanto os que acreditam nas suas políticas públicas).
Em segundo lugar, não é, de novo, exatamente de mais médicos que esse (cada vez mais) pobre país precisa.
Precisaria é de uma revolução!
Revolução na educação, porque população educada deve saber do que precisa e quando precisa (e se precisa). 
Revolução nas leis, porque, por exemplo, dá muito menos trabalho multar e coibir um exército de motoqueiros imprudentes do que tratar e reabilitar uma legião de mutilados.
Revolução na infraestrutura, que pode fazer com que médicos resolvam problemas médicos, não tendo que correr atrás de toalhas, papel carbono e caneta (sem falar em coisas mais "nobres").
Revolução cultural (sem excessos), porque onde faltam livrarias proliferam farmácias.
Revolução econômica, porque muito mal físico é consequência - senão um travestimento - da carência de todo o resto.


Revolução na própria política, porque os exemplos vindo de cima estão de sentar numa maca e ficar chorando.

6 de outubro de 2015

Cólica: Volume Um




Alguns bebês choram.
Outros não: outros são bocas circundadas por bebês.
Há bebês que choram. Outros deixam visita constrangida.
Tem bebê que você vê o pai na primeira hora dizer: "Que lindo, chorando!", ele também, não contendo as lágrimas. Esse mesmo pai, horas depois, olhando pros lados: "Mas agora vamos parando, né?".
Há bocudos que ganham alta da maternidade no primeiro dia "se a mãe prometer que não conta pra ninguém".
Outros têm sua data de nascimento falseada para o dia anterior, e enfermeira ajudando a fazer as malas. 
Há gente que medica. Outros põem tampão no ouvido. Vizinhos obrigados a mudar pro quarto de empregada. Reuniões de condomínio, revestimento acústico, música 24 horas ligada, pra abafar "o boca".
Chupeta, melzinho, chá de tudo quanto é erva, da doce à tremendamente amarga.
Tem pai que com três dias se separa.
Tem briga com a sogra, com a tia, com o jornaleiro.
Até que...
Até que, um dia, o "boca" acorda sardonicamente sorrindo (com um dentinho quase apontando).
E tudo isso para...
E aí, "viveram todos felizes para sempre".

2 de outubro de 2015

Vida de Genérico


Que medicação você deu pra febre?
- Aquela: "cara, ce tá mal!"...
- Só essa?
- Dei também a "tio pirou na".
- E pra tosse?
- "Hã, brô, que sol!".
- Nebulizou?
- Com "birutec"
- Só?
- E "prometo"!
- Promete o que?
- "Prometo de ipa..."
- Ipratrópio?
- Isso! (Essa eu não ia saber falar!)
- Xarope, não?
- Sim: "Ah, se tio insiste em ir na"
- Deu mais alguma coisa?
- "Inseto com anzol"
- Pra micose?
- É!
- E a dor de estômago?
- "Óme pra anzol"...
- Parou por aí?
- "Ao bem do anzol!"
- Vermes!...
- É!
- Nossa! Como é que você conseguiu com tudo isso?
- Ah, doutor, só com a promo...
- Promoção! Com tanto remédio, as farmácias têm mesmo que baixar o preço...
- Não, doutor, só tomando uma "promoprida"!
Medicamentos citados nesta postagem:
Paracetamol, dipirona, ambroxol, Berotec, brometo de ipratrópio, acetilcisteína, cetoconazol, omeprazol, albendazol, bromoprida.
A "era dos genéricos" criou essa dificuldade: pacientes têm agora que lidar com nomes das substâncias, mais do que com nomes comerciais. Era provavelmente mais fácil lembrar de "Tylenol" do que de "paracetamol", mais fácil lembrar de "Zentel" do que do "albendazol", e por aí vai...

Agora, na questão dos novos medicamentos biológicos, a coisa pega de vez. São nomes criados a partir do lançamento de letras ao ar, onde cair, caiu: palivizumabe, etanercept, infliximabe, tocilizumabe. De derrubar qualquer apresentador de jornal. Parecem aquelas palavras de: digite as letras abaixo para provar que você é uma pessoa.