Viver é um eterno desafio.
Há um conto formidável do também formidável Luis Fernando Veríssimo em que um sujeito, com medo dos possíveis acidentes que a vida pode lhe impor, vai se isolando no seu quarto, apenas para ir percebendo que também ali pode ser atingido por um raio, se engasgar fatalmente com alguma comida, ter uma parede da sua casa desabada, etc.
Há perigos imprevisíveis. Ou melhor, até que são meio que previsíveis (é melhor não estacionar seu carro embaixo de um prédio em obras, por exemplo, um pobre pedreiro pode cair, estragando seu querido bem).
Por isso deve chegar uma hora em que abdiquemos da insuportável chatice de ficarmos nos beliscando, checando nossa respiração, conferindo nossa cor, percebendo a tonalidade de nossos cocôs, etc.
Isso tudo tem nome: neurose. Talvez o grande mal do atual século (e dos vindouros).
Um neurótico é ótimo cliente de laboratórios. Laboratório de análises clínicas e laboratório farmacêutico. É ótimo cliente de farmácia - compra e experimenta de tudo. Engole qualquer pílula. Engole qualquer campanha de promoção de saúde e prevenção de doença. São então, também, a alegria dos políticos, bem intencionados em fazer o neurótico viver melhor(?) e votar.
Eu não sei se você percebe, mas estamos caminhando para um mundo com cara de que a perfeição (e a imortalidade) podem ser atingidos. Um mundo em que a única perfeição está no simular as falhas da falta do básico, do desvio do simples para privilegiar o complicado, do terrorismo oficial.
Da neura, enfim. Da neura sem fim.