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23 de agosto de 2020

Slow Selfie

A gente está acostumando a perceber que selfies publicadas quase que só podem ser de momentos felizes, e isso tem deixado muita gente triste. Seja porque não se possui tantos momentos felizes assim ou, mais frequentemente, por acharmos que a vida dos outros é mais feliz do que a nossa (mesmo sabendo que pode não ser verdade, nossos neurônios teimam em ser enganados).
Curiosamente, no entanto, esse fenômeno está longe de ser novidade.
Pegue o famoso quadro da rainha decapitada da França no século XVIII, a Maria Antonieta, por exemplo.

Nessa "selfie da época", fez questão de parecer uma cuidadosa mãe de família (fortemente inspirada, dizem, no retrato da Santa Maria, de Leonardo da Vinci, abaixo), o que era o padrão da mulher feliz (pelo menos para os outros) naquele tempo.


Os desavisados (ou "as desavisadas") deveriam morrer de inveja dessa felicidade toda, contribuindo para suas infelicidades.
Nada mais enganoso, no entanto.
Os mais próximos sabiam o quanto a rainha era negligente com os seus filhos. Largava fácil a prole por uma mesa de jogos ou por seus amantes (ambos somados, melhor ainda!).
Dentre várias infelicidades retratadas na "foto", o berço que foi originalmente pintado com seu quarto filho recém-nato, esvaziou-se durante a realização da obra, porque a criança não durou muito em vida. Seu irmão com a mãozinha esquerda apontando pro nada, originalmente estava com esse dedo indicador à frente da boca, pedindo silêncio para o bebê. O mesmo irmão que também viria a falecer não muito tempo depois, possivelmente de tuberculose, pouco antes da decapitação dos próprios pais.
Como se percebe, nada para se morrer (literalmente) de inveja.
Ou, também como hoje, talvez contribuindo para que na hora apropriada os infelizes colaborassem para a queda das lâminas.