"Por que o senhor acha que a leitura é tão importante?"
"Porque a leitura nos mostra quantas pessoas inteligentes existem no mundo. Porque nos dá a exata medida de nossa própria burrice."
"Então o senhor se acha burro?"
"Toda medida é comparativa. Sou alto para um peruano, mas sou de altura mediana para um escandinavo. Posso, às vezes, me achar muito inteligente. Aí, pego um livro. Claro que não me situo somente dessa forma. Ao ver um quadro de Velásquez. Ou Rafael. Ao admirar as formas arquitetônicas de algum edifício ou ponte. Ao utilizar um avião, um tablet, um ar condicionado ou até mesmo um isqueiro, vou dando conta de quão mesquinha é minha pretensão à mínima inteligência."
"Mas isso tudo, quero dizer, essa contemplação das capacidades alheias, não o faz sentir diminuído demais, humilhado, deprimido..."
"... Burro?"
"Não fui eu que disse!..."
"Mas é justamente isso. Preciso, devo me sentir assim. Pelo menos levemente burro! É o que me faz melhorar. Pelo menos até o limite das minhas capacidades. Deprimido ou não, humilhado ou não, pouco importa. Diminuído? Quem sabe? Se é esse o preço a se pagar..."
"Todos os que lêem sentem-se assim?"
"Não sei. Só posso imaginar. Conjecturar. E imagino que são muitos os que, como eu, nutrem-se da sensação da ignorância para salivarem por algum novo conhecimento, mínimo que seja."
"Tem muita gente que passa uma vida inteira sem ler um livro..."
"Tem. Os que admiram, invejam ou servem aos que lêem mais do que eles."
"Mas não tem muita bobagem sendo escrita?"
"Também tem. Mas se você está morrendo de fome e come a casca de uma árvore ou mesmo capim não consegue ainda assim retirar algum mínimo nutriente?"
"É triste, imagino, sentir essa constante ânsia, essa falta, essa perpétua carência de algo que o complete..."
"Triste, mas perfeitamente de acordo com o caráter humano. Uma pedra, ainda que nunca a tenha entrevistado, conforma-se com a condição de pedra. Da mesma forma a paca, a anta, a lhama, o bezerro. Nutridos, longe dos seus inimigos naturais e perto de seus semelhantes, vivem em paz. Não, espera! O que estou dizendo? Também eles, animais, têm sede de aprender. Também buscam descobrir o que há embaixo da conformada pedra, ou como atravessar um rio ou a melhor maneira de quebrar uma noz."
"Só não vão aos livros".
"Boa. Não vão aos livros. Passam a vida inteira testando com a prática individual - ou mesmo coletiva - algo que poderiam herdar de maneira fácil se fossem letrados, se se comunicassem de maneira mais efetiva, se dominassem os códigos. Não recomeçariam quase do zero a cada nova geração."
"Essencial, então, ao ser humano, os livros?"
"Se não quiserem deixar de sê-lo. Se não almejam a uma outra raça. Sub-raça. Sub no sentido de inferior, de incompleta, de pacificamente (mas mais provavelmente selvagemente) estreita."
"Mas os animais não são mesmo mais felizes, na sua ignorância?"
"Menos estressados, certamente. Menos ansiosos, em muitas situações. Mais felizes? Não sei. Pergunte você a eles. Eu até hoje não obtive qualquer resposta. Mas se você a obtiver, por favor, ponha num livro!"