"E então, quando foi que você descobriu que o Papai Noel não existe de verdade?"
"O que? Papai Noel... não... existe?"
"Bem..."
"Tô brincando! Descobri lá por volta dos 6 anos de idade."
"E foi muito... doído?"
"Doido?"
"Não, doído, acento agudo no i"
"Sei. Brincando de novo... Não vou dizer que não foi. Aquela sensação de que todos te enganavam, sabe? Muito chato saber que todos participavam de um teatro para te enganar, a você, seu irmão mais novo e aos seus primos, igualmente novos e crédulos. Mas imagino que mais doído do que foi para mim, foi mesmo para os meus pais. Ainda hoje lembro do olhar da minha mãe, sofrida por confirmar uma verdade que eu já há muito suspeitava. Lágrimas escorriam, mas ela tentava disfarçar, pobrezinha."
"E você acha que isso, essa descoberta da verdade, de alguma forma influenciou na sua personalidade, na sua maneira de ver as coisas, ou mesmo de encarar outras supostas verdades?"
"Não. Quer dizer, não tenho muita certeza a respeito. Só quem pode te responder isto é o meu psicanalista. Ainda que eu suspeite que nem ele vá saber respondê-lo. Além disso, ele tem uma barba branca e uns óculos redondinhos, que eu não sei, não! Se fizer rou-rou, saio correndo!"
"E com os seus filhos? Você falou a verdade, ou fez o mesmo que seus pais fizeram com você?"
"Não foi uma vingança inter-geracional, mas, claro, deixei que eles de alguma forma aprendessem a verdade por conta própria."
"E não fez mal?"
"Não. Também eu me aproveitei do mito para manter quartos mais arrumados, para que comessem um espinafre de vez em quando, para que me deixassem ver um programa de televisão sossegado no período noturno."
"Então a sua conclusão é de que devemos manter o mito vivo?"
"Sim. Acho que sim."
"Não é mentir para as crianças?"
"Talvez seja. Mas não acho que fará mais mal que o mito da Branca de Neve, da Alice, do Hulk ou do Airton Senna."
"Ei! Mas o Airton Senna existiu!"
"Existiu. Mas virou mito, inclusive para muitos adultos, que acreditam piamente que virou um santo, que tinha uma missão, que viu Jesus Cristo numa curva, e etc."
"Verdade! Só mais uma pergunta... Você faria o papel do bom velhinho para sua família?"
"Não. Desculpa, sei que toda essa conversa é muito lugar-comum. Bom velhinho já posso até ser, mas realmente não tenho mais o saco!"