Procure por assunto (ex.: vacinas, febre, etc.) no ícone da "lupinha" no canto superior esquerdo

29 de novembro de 2016

A Grades


Passamos em pouco tempo do casamento arranjado para o casamento com (suposto) amor, para o casamento com data de validade (hoje, raramente "eterno").
Nossos pais, avós e bisavós (se você que está aqui a ler não é um adolescente) foram, então, a turma que vivenciou o "casamento por amor eterno", aquele pessoal que escolheu um parceiro com quem - a princípio - iria viver até que um dos dois batesse as botas. Pouco problema para o sistema judiciário.
Mas agora filhos vêm quase como um efeito colateral de relações findáveis, em que quando o amor acaba (se é que realmente chegou a existir), o que sobra é a divisão de responsabilidades entre pais muitas vezes rancorosos, com as cabeças (meio que literalmente, desculpa a grosseria) já mergulhadas em novos relacionamentos.
O resultado disso? Infindáveis processos, audiências conciliatórias, mandados de prisão, ameaças, e etc. Haja justiça pra essa gente toda!
Ninguém que não seja muito calculista manda um "acho que estou te amando" adicionado a uma declaração de renda. São raros pais que na maternidade começam a fazer conta (de divisão, de subtração) antevendo a separação. Mas a se bem pensar, não seria nada tão estranho.

Estranho mesmo é ver um pai ignorante e pobre atrás das grades como solução final para algo que um dia foi inocentemente chamado de amor.

25 de novembro de 2016

Esculhambose


Sempre se usou certos diagnósticos médicos em vão
Mas talvez não tanto quanto agora. Sei lá.
A culpa só pode ser da universalização da informação e da internet, onde cada um pode ser seu próprio médico. Só que não. 
Houve uma época (dizem!) em que boa parte da humanidade era esquisofrênica. Aquela coisa do "Que tanto você fala disso,tá esquisofrênico, é?". 
Outra que eu já me lembro era o do raquítico. Eu, por exemplo, magro como um louva-Deus durante toda minha infância, era um "raquítico". Nada a ver com a vitamina D. Mas era!
A tosse comprida, enquanto existiu como doença frequente na infância, frequentava a boca de todas as vovós. Ninguém podia tossir, que as velhinhas já emcompridavam a tosse pra caberem nos seus diagnósticos.
Agora, falando de hoje, deste exato momento, milhares de crianças (e mesmo adultos) estão recebendo seus diagnósticos de intolerantes à lactose. Basta um punzinho meio atravessado e cria-se um drama.
Hiperatividade: crianças que não chegam quietas e saem paralisadas são hiperativas. Diagnóstico principalmente da alçada de professores, do jardim à universidade.
Há 27 anos não vejo um sarampo. Mas mensalmente atendo crianças que devem estar com ele. Interessante como o estigma demora a se resolver na sociedade.
Pneumonia, infecção no intestino, cólica, bipolaridade, rinite, fimose. São outros dos vários diagnósticos auto-dados. E com certificado googliano de qualidade. Difíceis de confutar. 
Um antigo professor costumava dar um diagnóstico, esculhambose - ou algo parecido - ao seus pacientes saudáveis, ansiosos por possuírem "alguma coisa". A internet o teria desmascarado...

22 de novembro de 2016

Um Por Cento de Nada



Uma pesquisa tem dado o que falar este ano.
Pesquisadores fizeram uma espécie de "Enem" (quando me refiro a Enem quero dizer aquele original, que tinha por função avaliar escolas) de médicos recém-formados na cidade de Baltimore (EUA) para que eles demonstrassem o seu conhecimento quanto a real capacidade de tratar certas doenças. Curiosamente, os médicos falharam (e falharam muito) em superestimar suas capacidades, principalmente no que diz respeito aos exames diagnósticos (ex.: mamografia no caso do câncer de mama) e medicamentos (como, por exemplo, os tratamentos medicamentos disponíveis para tratar a osteoporose).
Em alguns casos, a discrepância entre a efetividade dos medicamentos real e a "acreditada" chegou a ser quase de 70 vezes!
Muita ignorância?
Isso em boa parte se explica pela maneira como se ensina. Principalmente como se ensina em sociedades voltadas para o consumo e o imediatismo, como a sociedade americana (e, por consequência, a nossa própria, copiadora do modelo americano). 
Mais ou menos assim:
Doença X, o que se propõe como medicamento?
Isso, isso e aquilo.
Algumas vezes param por aí.
Mas algumas vezes, vai-se além:
Efetivos?
Pouco. O medicamento Y é o mais efetivo.
Conclusão?
Y neles (os pacientes)!
Onde quase nunca se chega é no analisar profundamente os riscos x benefícios, os interesses da indústria, o interesse do professor ou da própria faculdade no promover o tratamento, no abordar o problema com sinceridade com o paciente (muitas vezes no sentido de "abrir o jogo" expondo a inexistência de terapias efetivas), etc.
Então, pela "comodidade" (do ensino, do médico - que sente-se na obrigação de oferecer algo - ou dos pacientes e familiares, que precisam de tábuas terapêuticas onde se agarrar), pela pressão da indústria farmacêutica, ou mesmo pela desonestidade envolvida no processo, o tal medicamento Y vai tendo seu uso consagrado. Mesmo que essa "maior efetividade" chegue a incríveis 1%!

18 de novembro de 2016

Como É Linda Essa Minha Profissão (Parte III)



Quem é que tem esse privilégio?
Você chega para trabalhar no período da tarde, com alguma preguiça, talvez um pouco desanimado, com uma dorzinha aqui outra ali própria da sua tenra idade e avista:
Uma belíssima figura loira de olhos incrivelmente azuis, na porta do seu consultório, de quatro. Ao admirá-la, ela devolve seu olhar surpreso com um lindo sorriso, vira de bumbum pra você e engatinha agilmente em busca da sua mãe.
Pronto! 
Ânimo renovado.
Nada contra outras faixas etárias, mas fico com alguma pena de meus colegas que não saboreiam esses momentos no seu ambiente de trabalho, onde às vezes tudo parece queixa, sofrimento, frustração. Mesmo que ganhem mais do que a gente, o que costuma acontecer.
Estamos sendo muito bem pagos.


(esse "parte III" do título é puro charme!...)

15 de novembro de 2016

Espelho, Espelho Nosso


Minha especialidade não permite extravagâncias monetárias, por isso fui poucas vezes aos Estados Unidos. 
Nesta última vez que fui, entretanto (neste mesmo mês que acabou de acabar), uma das coisas que me chamaram atenção foram os comerciais de televisão lá veiculados. Duas mercadorias são insistentemente oferecidas: junk food, como sempre, e, não por coincidência, a novidade dos recentes anos: remédios. Não mais os "remedinhos" - ainda que comerciais destes ainda existam, e mais do que deveriam - mas os medicamentos ditos "biológicos". 
Já falei aqui algumas vezes sobre os biológicos.
São remédios que podem ser resumidos com três adjetivos: caríssimos, não copiáveis (sem genéricos, ainda) e perigosos, pois repletos de efeitos colaterais (muitos ainda desconhecidos).
Não é que devam ser desprezados. O que incomoda é a glorificação. Têm aparecido como "solução definitiva" para males para os quais até então pouca coisa podia ser feita. E aí é que está: tem problemas médicos que vão ser melhor conduzidos com boa dose de compreensão e outra tanta de resignação (uma combinação, convenhamos, que não se integra com a maneira ocidental de se ver as coisas, ainda mais no país que a representa) mais do que com falsas promessas de cura porque "em preço alto e alta tecnologia todo mundo há de confiar".
Sei que falo (e escrevo) para o vento. Já fui vencido nesta também. Me preocupa saber que o estilo americano é molde para o brasileiro, médicos incluídos. E não tem custado quase nada para quem já gastou tanto com pesquisa, desenvolvimento, propaganda incluir algumas sumidades médicas no paycheck* também.

(Outra coisa interessante é que a legislação americana obriga a incluir a advertência sobre muitos dos efeitos colaterais no final do comercial, o que o torna quase um filme, e faz pensar: alguém vai ter coragem de encarar isto? Em países como o Brasil a norma há de ser diferente, pensam os fabricantes)

*Paycheck: folha de pagamento. É só uma infeliz coincidência a maneira como os próprios americanos pronunciam meu sobrenome (Peitcheco)!

11 de novembro de 2016

Capitalismo $elvagem





(A postura de "vencemos" tem uma cara de "f... you all"!)

Acabamos de ver onde regimes de governo com tendências esquerdistas podem nos levar. É quase sempre uma desgraça, porque capitaneado por lobos com a maior pose de carneirinho.
O capitalismo não é um regime único, e bastam olhos pra se ver que tem seus vários defeitos. Importam muito as intenções do governante. Há que se ter o maior cuidado.
Por duas vezes escrevi aqui sobre Donald Trump. Aconteceu. Paremos de esfregar os olhos, de achar que foi pesadelo. Aconteceu, de verdade.
Não é o americano médio que não pensa. Foi o americano humilde, o desprezado, o que se levantou sem preguiça de ir às urnas, o que é apaixonado por armas e não quer perder o seu direito ao porte e etc. Foram esses que elegeram um cara com a cara típica do americano arrogante, que acha que são só eles no mundo, que acha que o paraíso é presidido por alguém que enrola o "r" pra falar.
Quem pensa um pouco deveria se perguntar o que governos com a cabeça voltada exclusivamente para os negócios, para o crescimento, para a expansão, acham sobre a àrea da saúde.
A saúde só é lucrativa quando atende aos interesses dos menos interessados, que são os que precisam dela. Não se pode pensar em saúde como um negócio. Não é, e nunca vai ser. E quando passa a ser, trocamos os pés pelas mãos. Nos transformamos nessas aberrações de ponta-cabeça que acham que estão bem assistidos porque têm insulina de graça, porque têm direito a uma prótese, porque têm uma farmácia em cada esquina. 
Pergunte, por exemplo, a um japonês (ou mesmo para um canadense, mais próximo) se ele concorda com esses conceitos.
Trump venderá tudo e comprará tudo, se não houverem grandes reviravoltas no seu governo. É assim que sua cabecinha funciona. Não irá vacilar em cortar gastos em áreas "ineficientes", como cuidar de velhos, pobres e imigrantes. Sabe que é bom de papo, agora mais ainda. E quando descobrirem que o pastel é de vento, já terá sido comido.

8 de novembro de 2016

Fé Compulsória


("Prefiro a imagem da manjedoura")

Não lembro de quase nada da minha catequese, talvez porque faça pouco tempo (!).
Lembro apenas que era parte da "grade curricular" de um colégio de freiras, e que eram horas nas quais aproveitávamos para "descansar" da parte pesada, como matemática, história, geografia, etc.
Algo como "Educação Artística com Severidade Celestial".
Minha educação religiosa veio muito, muito mais da curiosidade intelectual. Aos 9 anos, ganhei (de Natal!) um livro grosso chamado "A Bíblia para Crianças", fartamente ilustrado, e li inteiro (claro, gostei muito mais das histórias fantásticas do Velho Testamento...). O resto veio de filmes, missas frequentadas de forma compulsória, etc.
Talvez por tudo isso fico com "peninha" das crianças que hoje são submetidas a um rigor (ao meu ver) exagerado na catequese. E com 2 anos de duração. Que poderiam ser melhor aproveitadas com noções elementares de Filosofia, por exemplo.
Fica aquela coisa do "obrigado é sem nenhum prazer" e acaba tendo o resultado contrário ao esperado pela igreja. Afasta os futuros fiéis. 
E cria mais um motivo para escrivinharmos atestados, verdadeiros ou nem tanto. 

4 de novembro de 2016

Dedada Azul


Não estou aqui pra julgar o afeto que cada homem de meia-idade nutre pelo seu urologista, mas há muito tempo que as evidências vêm mostrando que pouco adiantam as dedadas anuais a que têm se submetido uma legião deles (alguns a real contragosto).
O mesmo vale para as mulheres e suas mamas. A idéia vendida de que "se previne" (vale dizer: "se livra", "se evita") o câncer é, em boa parte, falsa. 
Acontece que alguém que ousa falar (escrever) isso é visto como inimigo público número um. 
Sempre fico imaginando a multidão de mulheres para as quais se diz: "é, tem algum nodulozinho aí, mesmo", o que costuma vir depois: portas do SUS se abrem milagrosamente e a paciente em questão (agora uma "paciente", se antes não era) tendo seu pronto agendamento com os melhores especialistas, acompanhamento psicológico (porque o achado de um "nodulozinho" é carregado de um plúmbeo significado para todos(as)) imediato e continuado, acesso aos melhores exames confirmatórios da sua condição (se benigna ou maligna), bem como a medicamentos senão de graça, pelo menos subsidiados pelo estado.
Quem já vivenciou isso, sabe que é fantasia. 
E nas mulheres, como nos homens, anualmente se abarrotam ambulatórios, salas de exames, laboratórios com pessoas que iriam viver muitos anos na feliz ignorância de uma condição que mata mesmo é aqueles que já iria matar de qualquer forma. E que põe o benigno na vizinhança do maligno (e o pouco maligno na vizinhança do muito maligno), todos com os mesmos terrores e expectativas.
Isso está errado. 
Mas vamos ter muitos meses rosas e azuis até percebermos que é um esquema que deve ser afrontado e mudado.


(Outro fato curioso é a própria nomenclatura "rosa" e "azul". Então não temos ensinado a diversidade? A aproximação dos gêneros? E aí a mulher é "rosa", sendo que muitas mulheres ficam magníficas num vestido azul? E o homem é "azul", mas poderia ser igualmente "marrom" ou "preto", mas que nenhuma cor deveria (mais) simbolizar um gênero? Só não está pior do que as "antigas" camisetas que pintavam um alvo (!) nos peitos das mulheres...)

1 de novembro de 2016

Calmaria


Imagina um salva-vidas que, a cada banhista que adentrasse ao mar, saísse correndo desesperado, gritando: "Cuidado!", "Veja lá por onde vai!", "Pode se afogar, hein?!".
Um afogamento é coisa muito séria. Mas a grande maioria dos banhistas pula na água, toma seu banhinho, mergulha, nada, bóia e sai... incólume.
Com o parto deveria acontecer mais ou menos a mesma coisa.
Não é porque um ou outro bebê pode às vezes "se afogar" (por assim dizer), que em todos os partos o "salva-vidas" (pediatra) deve estar trêmulo, ansioso, correndo para lá e para cá, como quem esperasse o pior.
A postura ideal tanto de um quanto de outro (do pediatra como do próprio salva-vidas) deveria se limitar a "estar por perto em caso de necessidade", mais do que realizando manobras intepestivas, cruentas, que só irão contribuir para semear mais desconforto à gestante, ou mesmo aos obstetras e parentes próximos.